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O silêncio de Deus e a Morte em O Sétimo Selo

Atualizado: 8 de jun. de 2024



O silêncio de Deus é um tema muito caro à obra do sueco Ingmar Bergman. Assim como todo grande autor, o diretor de O Sétimo Selo (1957) mantinha recorrentemente questões pessoais em seus filmes, e com a religião não era diferente. Desde cedo, Bergman sempre questionou muito Deus. Seu pai, um cristão ferrenho do qual ele sempre odiou, criou a raiz de sua rebelião diante da divindade católica e da natureza da fé, o que perdurou durante toda sua vida.


De forma pessimista, o diretor não pensa que Deus apenas não existe, mas que ele opta por se ausentar frente às angústias, questionamentos e dores da humanidade. Dessa forma, é magistral o diálogo que o cineasta cria com o tema através de sua encarnação da morte, vivida por Bengt Ekerot em sua obra de 1957. No longa, a jornada do cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow) é marcada pela incompreensão de Deus e a angústia diante da inevitabilidade da morte. Nesse sentido, há três partes fundamentais: Xadrez com a Morte; A confissão; Danse Macabre.


COM SPOILER

Xadrez com a Morte


Antonius Block é um cavaleiro que está retornando para casa após 10 anos das cruzadas. Na praia, o protagonista avista a Morte encarnada diante dele. Ela se apresenta, diz que veio buscá-lo e esteve ao seu lado faz tempo, o cavaleiro responde que o corpo está pronto para partir, mas ele não. Em seguida, o homem propõe um jogo de xadrez: enquanto resistir, não morre e, caso ganhe, consegue viver.


O cavaleiro das cruzadas, em meio a um período de peste bubônica, desafia a Morte enquanto busca compreender o incompreensível, entender o sentido da vida e existência através da racionalidade, através de um jogo de xadrez. No entanto, ao longo do filme, o jogo se estende por vários dias e o cavaleiro percebe que não há para onde correr. Ele é tomado pela angústia, por não conseguir compreender os planos divinos e questionar o silêncio de Deus diante da situação. Não se ouve e não se vê a divindade, apenas a Morte aparece diante do humano.



A confissão


Angustiado com a iminência da morte e a falta de conforto com sua finitude, o protagonista vai para a capela confessar. Em uma das sequências mais impactantes do filme, o personagem encara um Cristo dolorido no local. Bergman faz um plano e contraplano do rosto receoso do cavaleiro em contraste com a dor representada na escultura da crucificação. Em seguida, o homem vê uma pessoa encapuzada atrás da grade da capela e começa a confessar sua culpa.


O personagem de Max Von Sydow diz que está preparado para morrer, mas antes quer o conhecimento, entender os planos de Deus, entender por que um ser tão poderoso vive de milagres não vistos, como acreditar em algo quando falta fé, o que acontece com as pessoas que querem acreditar, mas não conseguem — e com as pessoas que nem mesmo querem acreditar. No final, Block se pergunta por que não pode matar Deus dentro dele, porque Deus continua vivendo dentro dele mesmo o cavaleiro evitando isso ao máximo.


Block quer respostas, não deduções. Quer fatos, não crenças. Deus, mais uma vez, não estende sua mão ou revela sua face ao cavaleiro, sendo para ele apenas um ídolo criado por medos e frustrações. A única entidade que está lá para escutar seus problemas é a Morte novamente. Sem se revelar, a Morte induz o homem a revelar o porquê dele estar a enfrentando e ele dá a resposta de que quer um último ato significativo, além de revelar sua estratégia para derrotá-la.


Ao descobrir ter se confessado para quem o angustiava, o protagonista se indigna e a chama de trapaceira, enquanto a entidade vai embora, é impossível enganá-la. Ironicamente, a sua inimiga o tira momentaneamente da condição de angústia e insegurança, o colocando em posição de confiança e raiva. Apesar da descrença e incompreensão em Deus, a trapaça sobre o personagem termina por ajudá-lo a superar seus questionamentos momentâneos, levando-o a terminar a cena com força de vontade para derrotá-la. O que vai ser quebrado ao longo dos dias de jogatina.



Danse Macabre


No decorrer do filme, o escudeiro de Antonius Block, Jöns, entra em uma igreja e se depara com uma pintura da morte dançando com várias pessoas, chamada “Danse Macabre”. Ele pergunta para que serve e o pintor responde que é para lembrar a população de que a morte está em todo lugar. Ambientado em um período de peste bubônica, o diretor retrata a Igreja utilizando do medo para criar um ídolo, numa busca de manter sua influência e poder. 


A “Danse Macabre” vai voltar com ainda mais força no plano final do filme, mas antes é necessário contexto. Ao longo da sua jornada com a Morte, o protagonista se junta a um grupo de artistas, junto com uma família alegre e esperançosa, o que contrasta com esse período sombrio em que o filme se passa. A atmosfera do filme se transforma à medida que a iluminação transita de um contraste marcante entre luz e sombra para uma luminosidade ensolarada.


Nesse momento, ao encontrar essa família, o cavaleiro tem uma rara sensação de paz, sua angústia se dissipa e, por um instante, os questionamentos existenciais que o atormentaram ao longo do filme se dispersam. Ele se permite simplesmente desfrutar do momento presente e apreciar as pequenas maravilhas que o mundo oferece. O ponto do longa em que Block tem tranquilidade provém de um grupo de artistas. Esses artistas - e simbolicamente a arte - permitem ao cavaleiro enxergar e contemplar de uma forma mais poética essa certeza que é a morte.


Na sequência final, Block consegue possibilitar o escape da família alegre que lhe deu esperança. O cavaleiro derruba as peças de xadrez e permite que a família vá embora, enquanto a Morte pensa que ele fez para ganhar tempo para si. Em uma atitude de altruísmo, o homem consegue o que parecia impossível durante a confissão: enganar a entidade. No último plano, a entidade leva o resto do grupo através de uma “Danse Macabre”, enquanto o pai da família que fugiu recita de forma poética a cena no horizonte. A Morte continua uma certeza, mas já não é a mesma de antes.



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