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O significado por trás das estações em La La Land

Atualizado: 24 de set. de 2024



La La Land


Em 2016, o jovem diretor Damien Chazelle fez história na indústria do cinema. Seu musical e mais recente trabalho havia arrecadado 14 indicações ao Oscar, que no total possui 23. Tal feito surpreendente só aconteceu três vezes em toda a história, sendo a primeira em A Malvada (1950) e a segunda em Titanic (1997). Mas, mesmo com essa baita conquista, La La Land: Cantando Estações não conseguiu agradar a todos os públicos.


Um dos aspectos mais chamativos da produção — e que, inclusive, aparece no título em português — é sua divisão de estações. Assim como em 500 days of Summer, o musical também usa a técnica de separar sua trama em períodos diferentes do ano. Para além de uma decisão estética, assim como no filme protagonizado por Joseph Gordon-Levitt, La La Land também usa o tempo como uma forma de narrativa.


Embora muito seja comentado sobre o significado das cores na produção de Chazelle — coisa que em breve também irei fazer —, pouco se fala sobre a simbologia que cada capítulo da obra traz consigo. Inverno, primavera, verão, outono e inverno novamente, em cada fase desse ciclo é representado um período diferente do relacionamento dos protagonistas. Hoje, vamos destrinchar um dos aspectos que fazem eu considerar esse filme como uma obra prima do cinema.


Tempo: o inimigo do amor?


Na trama, acompanhamos a história dos protagonistas Mia e Sebastian, ambos artistas vivendo em Los Angeles e correndo atrás de seus sonhos. Ao decorrer do longa, a história perpassa por todas as estações, o que indica que a relação do casal dura no mínimo 8 meses, desde o período em que se conheceram até sua definitiva separação — se considerarmos que eles se conheceram no final do inverno e se separaram no início do outono —, momento que marca um salto temporal de cinco anos.


Essa divisão é interessante, à medida que o tempo percorrido por certas histórias serve como motivo para determinar se alguns acontecimentos são críveis ou não. Usamos como exemplo Esquadrão Suicida (2016). No enredo, somos apresentados a um grupo de prisioneiros com habilidades sobre-humanas, que são obrigados a trabalharem juntos em uma missão suicida e, caso contrário, teriam suas cabeças explodidas.


A proposta do roteiro é de uma situação tensa e o clima da produção reforça isso o tempo inteiro, seja com diálogos que se levam a sério demais ou com a direção de David Ayer, que tenta transformar toda cena em algo épico — mesmo que não consiga. É um grupo de vilões, que cometeram os mais terríveis atos e que NUNCA haviam tido algum tipo de relação mas, depois de algumas horas juntos, se autodenominam uma família.


Uma das principais críticas feitas ao filme de Ayer é a maneira apressada como as relações são construídas. Não havia tempo suficiente para que um grupo de pessoas com aqueles históricos e personalidades entrassem em uma sintonia tão grande para que se considerassem membros de uma mesma família.


esquadrão suicida
Foto: Reprodução/ Internet

Por mais que as decisões criativas do diretor também não sejam das melhores, só o fato de haver um contexto de tempo maior — seja por meio de um período maior para o filme se passar ou por via de algum flashback que mostrasse que aqueles personagens cultivam uma relação mais duradoura — já tornaria essa transformação do grupo em algo mais natural e realista.


Todo o romance de La La Land se passar em um ano cria uma identificação ao público. É bem provável que a pessoa que vá assistir ao filme tenha tido, ao menos, uma relação que durou mais ou menos esse tempo. Esse sentimento de identificação se amplia com o fato de ambos os protagonistas, mesmo após meia década, ainda se perguntarem o que teria acontecido se eles tivessem continuado juntos, em uma cena capaz de fazer até o mais insensível chorar. Não que você precise ficar 5 anos sofrendo por seu ex, mas quem nunca se perguntou como as coisas poderiam ter sido diferentes?


Toda a tragédia do casal é muito tangível. Seja na sua duração, problemas e até no seu desfecho, em que, mesmo após tantos anos, ambos ainda nutrem sentimentos um pelo outro. A história consegue ser comovente até para os que não passaram por experiências similares, uma vez que sabem o valor do tempo. Tempo, essa é uma das palavras chaves por trás de toda a qualidade narrativa do musical.


Cantando Estações


Mas não é apenas para demarcação de tempo que serve a separação dos atos em estações. Na verdade, a função dessa escolha criativa está intimamente ligada a cada fase vivida pelo relacionamento dos protagonistas. Essa conexão também ganha outro pano de fundo quando nos baseamos em arquétipos de Frye. Em 1957, o crítico literário Northrop Frye lançava seu livro Anatomy of Criticism, em que fazia uma relação entre as estações do ano com arquétipos narrativos da literatura.


Estações
Foto: Reprodução/ Internet

Começando pelo inverno, a primeira estação a qual somos apresentados. Normalmente associado a melancolia, o frio dessa estação também é refletido na relação dos personagens de Emma Stone e Ryan Gosling. Eles se conhecem ainda na cena inicial, em que estão presos no trânsito. A primeira interação entre eles é hostil, ao ponto que Mia levanta seu dedo do meio para Seb, após ele buzinar para que ela saísse do caminho.


O clima só piora depois que eles se encontraram pela segunda vez, agora no restaurante em que o amante de Jazz trabalhava. Após ficar encantada com a performance de seu futuro namorado no piano, Mia recebe um balde de água fria depois que é simplesmente ignorada pelo músico, que passa por ela sem nem olhar em sua cara. O próprio admite que foi rude posteriormente, mas, vamos ser sinceros, ninguém fica muito feliz depois de ser demitido.


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Foto: Reprodução/ La La Land

O inverno não só é refletido na relação fria entre os dois, como também em suas vidas pessoais. Nesse momento, ambos estão vivendo momentos difíceis no que diz respeito às suas vidas profissionais. Sebastian, um músico apaixonado por Jazz com o sonho de montar seu próprio clube, acaba de ser demitido mais uma vez por não aceitar se submeter a tocar algo que ele não considera grande música. O personagem, assim como todos do Ryan Gosling, estava em uma situação capaz de deixar qualquer um em depressão. Desempregado, endividado, longe de encontrar o amor e, principalmente, de seu sonho.


Mia trabalha incessantemente como balconista em um café, enquanto tenta algum papel em uma produção. De figurante a protagonista, de filme a série, não importa o contexto ela nunca é chamada. Esse esforço em vão faz com que ela comece a questionar se era realmente aquilo que deveria fazer. Dessa forma, o inverno representa, acima de tudo, que os dois estão longe de alcançar suas paixões —- que no momento se resume aos seus objetivos profissionais, porém, no final vai ganhar outro significado.


Antes de passarmos para o próximo capítulo, é pertinente analisarmos o inverno segundo a perspectiva apresentada em "Anatomy of Criticism". Para o autor, dentro de um mito esse período simboliza a ironia e sátira. Isso é representado ainda no número de abertura, em que o filme inicia com "Another Day of Sun", embora a estação naquele momento seja o inverno. Toda essa parte inicial é marcada por contradições bem humoradas na relação de Mia e Sebastian.


winter
Foto: Reprodução/ La La Land

A grande história de amor que mudaria suas vidas começa em um engarrafamento qualquer do cotidiano. A moça é uma atriz moderna, apaixonada por Hollywood mas desacreditada sobre seus próprios sonhos. O rapaz é um músico saudosista, fascinado por jazz e com total certeza de seus objetivos. Suas personalidades contrastantes são reforçadas até em seus carros, um de modelo atual e o outro de modelo antigo. A grande ironia é que, apesar de serem diferentes e começarem não se dando bem, eles foram feitos um para o outro.


Seguindo para a primavera, o período em que as flores desabrocham. É o momento de alívio que sucede um ríspido inverno e quando as coisas começam a esquentar. No longa, é a partir desse período que os dois começam a construir uma relação melhor, culminando na cena do observatório com o tão esperado beijo. Esse é o momento que a vida de ambos começa a melhorar, porque finalmente acharam outra pessoa que também acreditasse em seus sonhos.


Depois das duas primeiras interações hostis, os dois começam a fazer as pazes e aprendem sobre o mundo um do outro. Essa parte do filme é essencial para entendermos os motivos por trás das obsessões de cada um. Mia quer ser uma atriz desde sua infância por influência de sua tia, Sebastian quer salvar o jazz porque acredita que ele está morrendo. Ambos conhecem a paixão do outro e, como a própria Mia diz:


"As pessoas amam o que outras pessoas têm paixão. Você lembra as pessoas do que elas esqueceram"

Segundo Frye, essa estação simboliza a comédia. Logo no primeiro reencontro entre o futuro casal, durante a festa na piscina, a gente pode ver esse humor — resquício da ironia do capítulo anterior. Ao rever o músico que outrora a ignorou, a personagem de Emma Stone percebe seu desgosto com a música pop e, como forma de vingança, pede a música "I Ran", de A Flock of Seagulls, banda de um hit só. Toda essa sequência é extremamente cômica, com a jovem atriz fazendo caras e bocas como forma de provocação.


O tema continua quando eles conversam pela primeira vez. Ryan Gosling já mostrou várias vezes que se dá muito bem com comédia, seja em The Nice Guys ou no recente Barbie. Dessa forma, ele desempenha de forma espetacular o papel de "cara bobo querendo ser levado a sério". Ao fim da festa, quando os dois caminham juntos, acaba acontecendo a performance de "A Lovely Night", uma das cenas mais icônicas do longa e com uma linda execução dos atores.


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Foto: Reprodução/ La La Land

Durante toda a sequência musical a comédia se faz presente, seja na lírica da canção ou em sua coreografia. Porém, essa guerra de sexos vai lentamente se tornando admiração, embora o humor ainda persista. Acompanhamos isso quando eles se encontram dentro no local de trabalho de Mia, em que Sebastian já inicia o diálogo fazendo uma piada sobre os seguranças estarem o perseguindo. A comédia acaba sendo refletida no início de um inocente amor jovem.


A primavera significa o afastamento do inverno e a aproximação do verão. Se o inverno simbolizava que ambos estavam longe de alcançarem suas paixões, o verão é o completo oposto. O calor da estação acaba sendo causado pela chama do amor, porque esse é o momento do filme em que namoramos o namoro deles. A montagem inicial mostra os dois pombinhos visitando diversos pontos de Los Angeles. O amor deles é tão irradiante que faz o próprio público sentir-se feliz por tudo estar dando certo.


Ambos estão finalmente felizes, eles têm um ao outro e estão avançando nos seus objetivos. Convencida pelo namorado, Mia largou o emprego e decidiu focar totalmente na produção de sua própria peça, um monólogo interpretado por ela mesma. Sebastian segue na música, recebendo a proposta de fazer parte de uma banda. Ironicamente — ou talvez nem tanto — no livro de Northrop ele associa essa estação com o romance. Tudo está em harmonia, até mesmo os dois significados que carregam as estações.


summer
Foto: Reprodução/ La La Land

O verão é o capítulo mais curto do musical e, como diz o ditado, a alegria de pobre dura pouco. No outono, as folhas caem. É hora de dar adeus a aquilo que um dia já foi lindo e se preparar para mais um inverno. É quando os desentendimentos se iniciam e o romance começa a ruir. Com a aproximação de mais um inverno, significa que eles estão se afastando de suas paixões, seu relacionamento começa a esfriar e, claro, a ironia toma conta da cena.


Nesse momento da trama, Sebastian está ficando cada vez mais ocupado com as turnês da banda, na qual entrou apenas com o objetivo de prover uma vida mais estável para sua namorada, que havia largado o emprego por sua influência. Ele abriu mão de seus ideais puristas e entrou em um grupo que mistura pop e jazz, voltado principalmente para o mercado. Ironicamente, esse 'ato de amor' fez com que ele acabasse se distanciando de sua amada.


Quando a moça estreia sua peça, intitulada So Long — prevendo seu futuro adeus ao namorado —, a pessoa que sempre a incentivou não estava lá. Essa ausência constante culmina na cena do jantar, em que Mia o confronta por ter desistido de seu sonho de começar um clube. Ela, por sua vez, abriu mão de uma vida estável para ir atrás de seu sonho, algo que Sebastian defendia com unhas e dentes. O retorno da ironia acontece. Eles não estavam mais em sintonia, assim como no início.


fall
Foto: Reprodução/ La La Land

Um aspecto interessante de analisar é o simbolismo do outono por meio da etimologia. Em inglês, a estação é comumente referida como “fall”. Uma expressão bastante comum usada na língua inglesa é “fall in love”, que significa apaixonar-se. Porém, a palavra "fall” sozinha também significa cair, mostrando que esse era o momento destinado para que o relacionamento dos protagonistas entrasse em decadência. Além disso, essa é a única estação que, quando anunciada em tela, aparece em um fundo preto, evidenciando o momento sombrio que eles estavam prestes a enfrentar.


De acordo com Northrop, o outono corresponde a tragédia. Existe uma tragédia maior do que um relacionamento chegando ao fim? A resposta é sim, e está no fim deste capítulo. Após brigarem e aparentemente terminarem o relacionamento por definitivo, Sebastian recebe uma ligação com um convite de teste para Mia. Desesperado, ele vai ao encontro de sua amada e a convence de continuar seguindo com seu sonho.


Após ela ter sucesso em sua audição, o filme dá a entender que tudo ficaria bem. Ambos ainda se gostavam, ele havia conseguido se redimir por seus erros e ela finalmente teria a oportunidade de continuar com sua paixão. Mas, a vida não é fácil como um filme. Para o papel, Mia precisará viajar para Paris, algo que entra em conflito com os objetivos de Sebastian. Mesmo se amando, eles não poderão ficar juntos. Eis a irônica tragédia.


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Foto: Reprodução/ La La Land

Cinco anos depois, voltamos para o inverno, representando o fim de um ciclo e início de outro na vida dos personagens. A sequência inicial mostra Mia recriando uma cena que tínhamos visto no começo do filme, em que uma atriz famosa entrava no café. Ela finalmente tinha se tornado quem almejava ser.


Em paralelo a isso, vemos os preparativos finais para a inauguração de Seb's, o bar de nosso amado músico. Mesmo cinco anos depois, Sebastian ainda batiza o local com o nome sugerido por sua antiga namorada. Ele ainda não a esqueceu. Essas duas cenas representam, mais uma vez, a ironia por trás dessa estação. É um capítulo que, de certa forma, satiriza os acontecimentos do próprio filme.


Isso continua quando a atriz e seu marido acidentalmente encontram Seb's, assim como ela havia encontrado de forma inesperada o antigo restaurante em que o pianista foi demitido. Depois de finalmente reencontrar seu grande amor, nós somos apresentados a uma sequência imaginando os acontecimentos de outra forma. Dado o contexto, parece a imaginação dos personagens — principalmente de Mia que, diferente de Sebastian, continuou sua vida amorosa.


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Foto: Reprodução/ La La Land

A sequência é como um soco no estômago. Tudo que restou para o casal foi imaginar como tudo poderia ter sido diferente, como eles queriam poder mudar o passado. Quem nunca se torturou com esse tipo de pensamento? Após a linda e emocionante sequência musical, eles trocam seu último olhar. Eles ainda se amam, mas não podem pertencer um ao outro. A grande ironia de toda história é que, mesmo após conquistarem seus sonhos, eles ainda continuam longe de suas paixões.


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