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Unglassed Bones: Mais que Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Atualizado: 27 de jun.

Voilà, ma petite Amélie, vous n'avez pas d'os en verre. Vous pouvez vous cogner à la vie. Si vous laissez passer cette chance, alors avec le temps, c'est votre cœur qui va devenir aussi sec et cassant que mon squelette. Alors, allez-y, nom d'un chien!

― Jean-Pierre Jeunet

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INTRODUÇÃO


Sempre fui apaixonada por livros. Nas perguntas sobre o que gostava de fazer nos álbuns de bebê, as respostas já eram ler e escrever. Na infância, eram os melhores amigos. As companhias que não tinha, e os mundos onde, de verdade, vivia. Na adolescência, a poesia que romantizava e coloria uma vida que teimava em ser confusa. Dava espaço para amar e acreditar no amor. Na vida adulta - ou pelo menos no começo dela, o sentido de tudo.

Reprodução
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As palavras se tornaram o dia a dia, a tarefa e o propósito. Todos os segundos de cada dia, e o que faz com que cada um deles valha a pena ser vivido. Ser escrito, construindo as histórias que um dia me embalaram quando pequena. Que me colocaram no colo, me ninaram, aconselharam, alegraram, cuidaram e apaixonaram. Os livros salvaram minha vida, e a vida que eles me deram não poderia ser usada para algo que não escrever. Criar. Imaginar. Dar vida.


Entre as mil poesias que sempre amei, uma delas foi visual. Meu filme favorito, as cores que coloriam as tais confusões em tela. Os medos da infância com as coragens da adolescência, e os não-amores que se tornaram amores em negrito e caixa alta. As sensações. Os sentimentos. Em uma tela, tudo aquilo que parecia comigo, que ilustrava meu coração e parecia com as chances que aceitei para que meus ossos não fossem para sempre e meu coração nunca passasse a ser de vidro. Hoje, não são - e mais uma vez pelas palavras. Assim, não seria eu, e não seria verdadeiramente meu, se não fosse escrito. Se, entre os subjetivos de paletas, músicas e olhares, não estivessem frases que explicassem exatamente o que se sentia. E se um dia a Nina da infância não pôde ler porque não havia sido escrito por ninguém, a Nina que aprendeu a escrever mais que ler e falar mais que ouvir, ouve a história mais sensível do mundo, e escreve como um livro.


O Fabuloso Destino de Amélie Poulain não tem um livro. Mas o meu Fabuloso Destino não poderia não ter. <3


Capítulo do livro escrito com base no filme de Amélie, simulando o que seria a obra que teria originado o roteiro do filme.

CAPÍTULO SELECIONADO


Amélie entrou no prédio, e um segundo e meio depois, a moça das cartas chegou correndo.

Menina bonita do quinto andar, me escute. Você acredita em milagres?
Reprodução
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Se alguém um dia já acreditou, essa pessoa era certamente Amélie. Ela acreditou em milagres quando era pequena, e via um presente em cada morango preso em seus dedos. Ela acreditou em milagres quando cresceu, e encontrou a caixa de infância de Dominique naquele inesquecível 30 de agosto. Ela acreditou em milagres quando o gnomo dominou o túmulo de sua mãe, e quando ele viajou para mostrar ao pai dela o mundo que ele nunca tinha visto. Ela acreditou em milagres quando o destino fez o chefe malvado pagar pelo que fez, e trouxe momentos lindos para tv de um velhinho. Ela escolheu, ao longo de toda a sua vida, acreditar que cada pequena, minúscula coisinha, desde a mosca azul que pousou quando ela nasceu, até a morte de Lady Di, tem um pouco de milagre em si. Amélie fez os milagres, e preencheu sua vida ouvir que seus milagres estavam se tornando realidade. Mas, dessa vez, não foi assim.

Hoje não. - Ela disse. A mulher não parou de falar.
Você vai se surpreender! E se eu lhe dissesse que uma equipe de alpinistas em Mont Blanc encontrou provas de que meu marido me ama?

Quando a moça terminou a frase, Amélie já estava no quinto andar, abrindo bruscamente a porta do apartamento e deixando todas as suas esperanças para trás. Pela primeira vez, ela pisou na casa vermelha com dor. Ela já esteve lá vazia. Solitária. Sem emoção. Já esteve lá realizada. Feliz. Apaixonada. Mas nunca com dor, nunca sem sonhos. "São tempos difíceis para os sonhadores", ela pensou enquanto encarava os cartazes que colou na parede. Um lembrete da busca por amor que ela dividiu com Nino por tanto tempo, e que agora está tão distante da realidade. Enchendo os olhos de lágrimas, Amélie começou a arrancar todos os desenhos de "Où & Quand". Quando olhou para si mesma no espelho, a sensação era de que ela não conseguia mais reconhecer quem era. Para onde foi a sonhadora? Aquela que via beleza na vida, e cores nos dias? A que tinha algo que tornava as emoções de hoje pelo menos um pouquinho mais do que apenas o espelho de ontem?

Divulgação/UGC-Fox Distribution
Divulgação/UGC-Fox Distribution

Amélie desistiu dos pensamentos e começou a fazer um bolo. Por um momento, a menina que ainda mora dentro dela se levantou, e a pegou de guarda baixa para sonhar um pouco. A menina a fez pensar em Nino, correndo na chuva, cobrindo a cabeça com um casaco. Ele foi em direção ao pequeno mercadinho, e pediu um pouco de fermento.

Para senhorita Amélie? - perguntou Lucien. - Ela está assando seu famoso bolo de ameixa? - E numa mudança de realidade de como Amélie deseja que o mundo pudesse ser, Lucien vira-se para seu chefe malvado e grita com ele. - Collingnon! Vai!

Nino continuou caminhando em direção a ela, no melhor sonho possível. Ele subiu as escadas, e abriu a porta. Devagar e calmamente, ele entrou na casa, enquanto ela estava na cozinha, assando o bolo. Brincando, ele se esconde atrás da parede e passa os dedos nas decorações - apenas o suficiente para eles se moverem. E, na realidade, elas se movem. Amélie sai do sonho, e olha para trás na esperança de vê-lo. Mas é apenas Dinah, sua pequena gatinha, entrando na cozinha. A dor volta a martelar seu coração, enquanto ela encara Dinah e as lágrimas voltam. A mesma culpa que ela costumava sentir quando criança, quando acreditava que era responsável por toda a miséria, acidentes de avião, incêndios e fome no mundo. Neste caso, ela era culpada por usar seu direito inegável de arruinar sua própria vida.

A campainha toca. Amélie olha para cima. Seu coração doente, infartado, começa a bombear mais rápido, lutando contra sua própria covardia. Mas como poderia o medo não vencer, se a vida toda ele venceu? Ela olha para a porta, e vai direto a ela, enquanto ouve Nino chamando seu nome. Encosta o rosto na porta, exatamente do mesmo jeito que ele do outro lado. Ele, chamando. Ela, em silêncio. Desesperançoso em receber uma resposta, ele dá um passo para trás, encosta um pequeno pedaço de papel na porta, e escreve "Je reviendrai" nele. Ela apenas espera, como parece ter esperado sua vida inteira passar. Colada à porta, mas nunca a abrindo. O bilhete vai para debaixo da porta, dizendo a Amélie que ele não desistiu, e ainda vai voltar.

Amélie corre para a janela, bem a tempo de vê-lo ir embora. Não é culpa dele, nem sua decisão. Só não é sua chance. Abrindo as cortinas amarelas, ela sente toda a dor apertar seu coração, e é interrompida mais uma vez - desta vez, pelo telefone. Ela joga a pilha de travesseiros vermelhos no chão, pega o telefone tocando, e ouve a voz do Homem de Vidro.

Vá para o quarto, senhorita Poulain.

Desta vez, o mistério foi feito para ela. A menina que passa sua vida criando mistério para que outros possam encontrar amor e alegria em suas vidas, tem um mistério criado especialmente para que ela o encontre. Aquela que era praticamente uma fada madrinha, um anjo da guarda, para todos os outros, tentando colocar suas vidas confusas no lugar, e sempre esquecendo de arrumar a sua própria, agora tem algo tentando colocar sua bagunça de volta no lugar. Isso, se é que um dia ela já esteve arrumada.

Dentro do quarto, está a mesma velha televisão que ela assiste todos os dias antes de dormir. Com várias velas acesas em torno dela, a tv parece ter algum tipo de magia em si naquele dia. Amélie a liga - e o Homem de Vidro aparece na tela.

Olhando para ela com olhos calorosos e amorosos, ele a encara pela tela, como se estivesse preso nela, da mesma maneira que passou toda a vida. Amélie assiste à fita, sentindo como se as decisões de toda a sua vida estivessem em jogo. A fita é um conselho. O aviso de um amigo. E ela leva isso tão a sério quanto pode ser levado.

Então, minha pequena Amélie: seus ossos não são feitos de vidro. Pode aguentar os baques da vida. Se você deixar essa chance passar, com o tempo, é o seu coração que ficará tão seco e quebradiço quanto o meu esqueleto. Então, vá em frente!

Essas palavras penetraram profundamente no coração de Amélie. O mesmo coração que a vida toda esteve supostamente doente, mas na realidade estava procurando por amor toda a sua vida. O coração que estava tão protegido, que nunca tentou ser um pouco mais feliz. Arriscar. Se apaixonar. Naquele momento, algo clicou dentro de Amélie, e ela correu de volta para a janela. Nino já tinha ido. Mas desta vez, seria diferente. Ela correu, decidida, corajosa e segura, até a porta, e no momento em que a abriu, o mundo pareceu parar de girar. Ele estava bem ali, de pé, na frente dela. Desistindo de ir embora, escolhendo voltar.

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Os dois se olharam em uma infinidade de sentimentos, até que ele tenta quebrar o silêncio com palavras. Ela não deixou. Com o dedo em seus lábios, ela o impede de falar, e o puxa para dentro de casa. A porta fecha atrás dele, e ele olha para trás. Amélie segura a jaqueta dele, olhando fixamente em seus olhos. Pela primeira vez em sua vida, ela está prestes a fazer alguma coisa. Tomar uma atitude. Agir. Mas ainda assim, só até onde ainda for típico de Amélie. Então, ela se aproxima dele, e o beija na bochecha. Ele olha para ela, congelado. Ela beija seu pescoço. Sua testa. E olha para ele. Entre beijos lentos, surpresas e pequenos passos daqueles que nunca na vida estiveram verdadeiramente apaixonados, Amélie aponta para sua própria boca, chamando-o para agir exatamente como ela sempre sonhou que alguém um dia faria. E nesse segundinho, todos os desejos dele se tornam realidade, enquanto ele se sente um pouco mais perto de descobrir o mistério da mulher. Então, ele beija sua bochecha, e ela fecha os olhos. Seu pescoço. Sua testa. E, depois de se acostumar um pouquinho, sua boca.

Pela janela, um pequeno binóculo encara as sombras do beijo do casal. No andar de baixo, o Homem de Vidro olha para o passo que Amélie deu, de alguma forma e um pouco mais perto de não terminar como ele. Seu coração é inundado por um sentimento de ter salvo a pessoa que ele mais ama de não viver, enquanto ele sente o amor que entrou na casa de Amélie. Sorrindo, ele abaixa os binóculos, e olha para a tv, bem a tempo de repreender Lucien por gravar a coisa toda. 

Ei! - O velho diz, enquanto seu aluno abaixa a câmera e finge estar gravando as tintas e obras de arte na sala.

Assim, o mundo de Amélie se transformou. 48 horas depois daquele 29 de agosto, o fabuloso destino de Amélie Poulain mudou para sempre, enquanto ela está deitada na cama, com a mente e a cabeça de Nino descansando em seu peito nu. Ele ainda está dormindo da noite passada - mas ela está bem acordada. Segurando-o, e pensando como é possível que a vida possa ser tão incrível.

Divulgação/UGC-Fox Distribution
Divulgação/UGC-Fox Distribution

Como ela pôde levar tanto tempo para perceber. Quanto tempo ela perdeu. Mas mais importante, quanto ela ainda tem para viver. Amélie sorri, e faz cafuné nos cachinhos dele, sentindo o cheiro de amar e ser amada. Tudo está no lugar. A vida é fácil e simples. Tudo está certo.

Na manhã seguinte, as pessoas em Montmartre saem de suas casas para uma vida melhor, desde que Amélie começou a se dedicar a criar e perceber pequenos milagres. O Homem de Vidro pinta um novo quadro, desta vez com a menina no centro não sozinha, mas apaixonada por um homem alto, bonito. Raphael Poulain, pai de Amélie, sai de casa com suas malas em direção ao aeroporto, para viver a primeira aventura de sua vida. E em 28 de setembro de 1997, exatamente às 11 horas da manhã, o bairro inteiro pode ver uma parede, com palavras pintadas em tinta vermelha, que diz: "Sem você, as emoções de hoje seriam o que sobrou das de ontem". Um ditado de Hipólito, vivido verdadeiramente por um feliz, misterioso casal na França, pilotando uma moto pelas ruas, com o rosto sorridente dela deitado no ombro dele, e toda uma vida pela frente para viver.


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