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LISTA I 10 Filmes dos Anos 50

Os anos 50 são muito marcantes na história da sétima arte por serem um período de transição do cinema clássico para o moderno. Desta forma, este período se torna muito rico justamente por abarcar tanto os movimentos de vanguarda do pós-guerra - a exemplo do neorrealismo italiano - como o apogeu de diversos diretores clássicos. O resultado é um recorte temporal que poderia facilmente valer por três décadas, com diretores como Hitchcock, Mizoguchi, Antonioni e Resnais em atividade na mesma época. Por conta disso, o Moqueka realizou uma seleção de títulos fundamentais dessa década, que permanece inesgotável.


Importante destacar que a publicação foi feita de maneira colaborativa entre Vítor Rocha e Rafael Vaccaro. Além disso, a lista não possui ordem e, durante o processo de seleção, foi considerado apenas um filme por diretor, com a finalidade de diversificar as produções e escolas de cinema.


Confira a lista:


Rastros de Ódio (1956)


Rastros de ódio; john ford; john wayne
Reprodução: Warner Bros. Pictures

Principal nome da era de ouro dos westerns, John Ford tem como uma das marcas de seu trabalho questionar os valores e contradições que constituíram os Estados Unidos da América enquanto nação. Este alicerce do seu cinema é materializado em Rastros de Ódio através do seu protagonista: Ethan Edwards (John Wayne).


Na trama, o veterano da Guerra Civil Americana volta para casa e vê sua sobrinha ser capturada por Comanches, um povo indígena da região. Movido por uma obsessão que mistura afeto familiar e ódio racial, ele parte em uma busca que dura anos.


John Ford subverte as bases do gênero, acostumado a tratar o cowboy branco como herói, e transforma seu protagonista em um homem moralmente abominável. A grandiosidade das paisagens do Monument Valley contrasta com o vazio moral de Ethan, destinado a viver à margem da nação que ajudou a moldar. 


Era Uma Vez em Tóquio (1953)


Reprodução: Shochiku
Reprodução: Shochiku

A partir da metrópole de Tóquio como plano de fundo, Yasujiro Ozu produz, em seus planos calmos e econômicos, um drama familiar conciso. Durante a projeção de Era Uma Vez em Tóquio, acompanhamos a dinâmica da família Hirayama após a chegada de Tomi e Shukichi, casal de idosos que vêm visitar seus filhos na capital japonesa.


O mestre japonês utiliza a câmera baixa e os planos fixos para criar uma obra de clima contemplativo, essencial para o funcionamento da sua temática de efemeridade da vida e passagem do tempo. Neste sentido, a nora do casal de idosos, Noriko (Setsuko Hara), age como um elo afetivo em meio a uma família apartada emocionalmente na grande metrópole japonesa.


É sintomático que, em meio a um Japão pós-guerra, Ozu escolha evidenciar o crescimento urbano e a ocidentalização como elementos causadores de distanciamento entre as gerações do país. Uma realidade de caráter cruel e irreconciliável.


Ilhas de Fogo (1955)


Reprodução: Reportfilm/Vittorio De Seta
Reprodução: Reportfilm/Vittorio De Seta

Entre os dez documentários filmados por De Seta na década de 50, cuja qualidade é irremediavelmente inferior à sua relevância perante o grande público, Ilhas de Fogo, gravado próximo ao vulcão de Stromboli, no sul da Itália, é o mais marcante. 


Nas ilhas Eólias, na costa norte da Sicília, sem nenhum voice-over, apenas através das imagens e do som ambiente, De Seta mostra a rotina dos trabalhadores locais e suas famílias no arquipélago. 


Em uma realidade simples e monetariamente desfavorecida, o filme destaca como aquele microcosmo social é dependente da natureza para a sua subsistência, ao mesmo tempo, em que é completamente aterrorizado por ela através da figura do vulcão. Um adendo, especial para a recomendação de Ilhas de Fogo, é que o filme faz uma excelente sessão dupla com o documentário O Fogo Interior: Um Réquiem para Katia e Maurice Krafft, de Werner Herzog.


O Intendente Sansho (1954)


Reprodução: Daiei Film
Reprodução: Daiei Film

Baseado no romance de Ogai Mori, o longa de Kenji Mizoguchi — talvez o mais humanista da grande trindade japonesa, formada também por Yasujiro Ozu e Akira Kurosawa — ambienta-se no Japão feudal, mas ecoa o pós-guerra em que foi realizado. 


A trama acompanha a esposa e os filhos de um governador idealista, Masauji Taira, exilado após defender os camponeses. Em busca do pai, Tamaki (Kinuyo Tanaka) e os filhos, Zushio (Yoshiaki Hanayagi) e Anju (Kyōko Kagawa), caem nas mãos de traficantes de escravos. Separados, Tamaki é forçada à condição de prostituta na Ilha de Sado, enquanto as crianças são vendidas ao intendente Sansho.


Por meio do ritmo cadenciado e do lirismo poético proposto por Mizoguchi durante o Japão pós-guerra, O Intendente Sansho discute a responsabilidade moral em tempos de opressão enquanto media um drama familiar marcado pelo sacrifício e a impossibilidade de reconciliação plena. A trajetória de Zushio, mesmo redentora, carrega a melancolia de todos os traumas que permearam sua vida.



Crepúsculo dos Deuses (1950)


Reprodução: Paramount Pictures
Reprodução: Paramount Pictures

Criado após a instituição da Lei Seca e do Código Hays — conjunto de diretrizes voltadas à censura de filmes nos Estados Unidos —, o noir encontrou seu auge durante a Hollywood clássica, nas décadas de 40 e 50. 


O subgênero, conhecido pela iluminação de alto contraste, pelos personagens de moral ambígua e pelos enredos envolvendo criminalidade e corrupção, ganhou um de seus mais emblemáticos representantes no ano de 1950. 


Crepúsculo dos Deuses, dirigido por Billy Wilder, discorre sobre a morte do cinema-mudo e o descarte da própria indústria para com seus artistas a partir da figura de Norma Desmond (Gloria Swanson), uma grande atriz da era silenciosa que contrata um jovem roteirista para tentar sair do esquecimento.


Apesar da premissa sugerir o retorno ao estrelato, Norma não é apenas uma artista esquecida, mas uma pessoa deslocada do seu tempo, alheia à modernidade. A obra de Wilder então evidencia como a máquina hollywoodiana programa a obsolescência não só dos seus atores, mas de modos de fazer cinema. 


É curioso como Wilder, em seu filme mais celebrado ao lado de Se Meu Apartamento Falasse (1960), consegue, de certa forma, transpor na personagem de Gloria Swanson exatamente o que aconteceria com ele anos mais tarde. 


Afinal, por se tratar de um ciclo industrial da máquina hollywoodiana, Wilder, assim como diversos diretores clássicos contemporâneos a ele, também passou pelo esquecimento e marginalização a partir da década de 70, marcada pelos novos talentos (alguns definitivamente novos, mas sem tanto talento) da Nova Hollywood.


Noite e Neblina (1956)


Reprodução: Argos Films
Reprodução: Argos Films

Em dezembro de 1941, sob ordens de Adolf Hitler, líder do regime nazista, foi emitido um decreto intitulado Nacht und Nebel (no português, Noite e Neblina). A medida permitia a perseguição de opositores pelas autoridades alemãs de modo que as vítimas desaparecessem sem deixar rastros.


Quinze anos depois, em 1956, Alain Resnais, um dos precursores da Rive Gauche, movimento de vanguarda paralelo a Nouvelle Vague francesa, realiza um curta-metragem homônimo. No documentário de exatos 32 minutos, o cineasta contrasta imagens de arquivo em P/B dos campos de concentração de Auschwitz e Majdanek — incluindo corpos das vítimas — com imagens coloridas das ruínas do local no presente (à época, 1955). 


Corroborando com a ideia de Henri-Paul Senécal, exposta em seu artigo na Revue de Cinéma número 28, realizado em 1962, o filme constrói uma dramaturgia impactante a partir do choque de sentido das imagens e o texto do poeta Jean Cayrol. 


Integrante da Resistência Francesa e sobrevivente do genocídio realizado pelo regime nazista, a passagem de Cayrol traz um tom testemunhal ao filme, (re)ativando a memória do espectador sobre o significado daquele espaço.


Encomendado pelo Comitê de História da Segunda Guerra Mundial da França, o curta-metragem do cineasta francês destaca como o nazifascismo não é inerente a uma nação ou momento histórico e deve ser combatido constantemente. Nesse sentido, Noite e Neblina é quase um manifesto a favor da preservação da memória e a luta contra o esquecimento e a ocultação histórica.


À época, o documentário de Resnais foi tão forte que sofreu intervenção de diplomatas da Alemanha Ocidental, que solicitaram a retirada do filme do Festival de Cannes de 1956. Após a alegação de ser uma representação excessivamente gráfica do holocausto, os franceses substituíram Noite e Neblina (1956), que foi exibido fora da competição do evento.


O Grito (1957)


Reprodução: SpA Cinematografica/Robert Alexander Productions
Reprodução: SpA Cinematografica/Robert Alexander Productions

Reconhecido, principalmente, por seus dramas existencialistas na década de 60, em especial à Trilogia da Incomunicabilidade — formada por A Aventura, A Noite e O Eclipse —, Antonioni realizou em 1957 um longa-metragem que marcou sua transição para o seu estilo mais consagrado. 


Ainda com ecos do neorrealismo italiano, muito presente no início de sua carreira, O Grito trabalha com locações reais, possui um enfoque no cotidiano e apresenta personagens da classe trabalhadora. No entanto, mais próximo do modernismo que marcaria sua fase posterior, Antonioni passa a dar um olhar mais psicológico do que social ao seu protagonista.


Aldo (Steve Cochran), um trabalhador de uma refinaria de açúcar, vaga sem rumo após Irma (Alida Valli), com quem mantinha um relacionamento há sete anos, recusa seu pedido de casamento. Por meio de uma estrutura episódica, em que seu protagonista passa por relacionamentos efêmeros, Antonioni evidencia Aldo como um homem deslocado, incapaz de criar vínculos significativos com quem quer que passe.


Sem qualquer tipo de redenção ou sentido para sua trajetória, a figura de Aldo ecoa uma noção cíclica e fatalista. O desfecho do personagem de Steve Cochran não somente é avassalador, como marca a guinada de Antonioni ao seu celebrado modernismo.


Europa ‘51 (1952)


Reprodução: Ponti-De Laurentiis Cinematografica/Lux Film
Reprodução: Ponti-De Laurentiis Cinematografica/Lux Film

Segundo filme a compor a Trilogia da Solidão, realizada por Roberto Rossellini, uma das figuras mais proeminentes do cinema italiano, Europa ‘51 é um dos pontos altos da carreira do reconhecido diretor.


Durante a projeção, Ingrid Bergman — protagonista em todos os filmes da trilogia, apesar de dar a vida a personagens diferentes — interpreta Irene Girard, uma rica e egocêntrica socialite romana que, após a morte do filho, é tomada por uma profunda culpa. Em busca de lidar com seus sentimentos e dar um novo sentido à própria vida, Irene decide empregar seu tempo em prol dos pobres e doentes da cidade. Essa devoção intensa e inflexível, porém, desperta questionamentos sobre sua sanidade.


Rossellini coloca a personagem de Bergman em uma jornada de transformação, na qual ela sai da alienação burguesa para uma prática de compaixão absoluta aos mais oprimidos. Apesar da verve missionária, a mudança de Irene não passa por qualquer tipo de dogma ou instituição, o que a coloca em rota de colisão com a Igreja, o Estado e a própria família. 


A recusa da mãe enlutada em seguir as normas sociais para prosseguir com sua misericórdia radical dialoga com a Europa do pós-guerra, que, moralmente devastada, carecia de uma reconstrução afetiva. 


Um Corpo que Cai (1958)


Reprodução: Paramount Pictures
Reprodução: Paramount Pictures

Em 1958, Alfred Hitchcock já era um diretor bem-sucedido e consolidado não apenas em Hollywood, mas também na Europa. Nesse contexto, Um Corpo que Cai é como uma joia desse cinema tardio do cineasta. 


No filme, James Stewart interpreta Scottie Ferguson, um detetive que presencia a morte de um policial em uma grande queda de um edifício. Traumatizado, o personagem se torna inerte diante do medo: se aposenta. Entretanto, ao secretamente investigar a esposa de um antigo amigo, Scottie precisa enfrentar seus demônios — e deve ser cuidadoso para não engendrar novos fantasmas.


O drama de um detetive que sofre de uma intensa fobia de grandes alturas não impressionou seus contemporâneos da crítica anglófona, mas foi muito bem recebido pelos franceses. Éric Rohmer, crítico da Cahiers du Cinéma, traçou esboços que ligavam o longa-metragem à teoria das formas de Platão — tudo para justificar a “surpreendente riqueza” estética dos planos filmados pelo diretor.


Se Michelangelo atingiu seu ápice num Rei Davi esculpido em mármore, Hitchcock (finalmente) chega ao seu auge nesta obra-prima colorida em Technicolor. Não basta a genialidade da narrativa, que é tão tradicional quanto disruptiva; ainda somos apresentados a um novo mundo para o cinema. O dualismo forma-conteúdo se esvai como pó: tudo parece um só em Um Corpo que Cai, tamanha é a grandiosidade do que é filmado pelo saudoso diretor inglês.



Johnny Guitar (1954)


Reprodução: Republic Pictures
Reprodução: Republic Pictures

Johnny Guitar, de Nicholas Ray, estreou nos Estados Unidos em 1954. Os Estados Unidos de Eisenhower, do Macarthismo, do Código Hays… e um Nicholas Ray cuja trajetória se mistura com a então recente história norte-americana. É possível dizer, em consonância com os críticos da Cahiers du Cinéma da época, que o cinema de Ray é um dos melhores frutos do pós-Segunda Guerra Mundial — um cinema baby boomer, podemos dizer.


Como de costume no cinema do diretor, o filme conta a história de uma figura indesejada pela sociedade. Misterioso e austero, Johnny “Guitar” Logan (Sterling Hayden) é um músico contratado para tocar no saloon de Vienna (Joan Crawford), uma mulher de meia-idade cujas intenções e mistérios são tão inquietantes quanto o protagonista desta história. Aos poucos, se desenrola uma trama de antigas paixões, crimes, traições e reviravoltas — o que já esperamos de um clássico faroeste.


Se falamos de cinema e sua linguagem, não podemos deixar Johnny Guitar passar batido. A verdade é que, em menos de duas horas, Ray é capaz de conjurar uma aberração, uma anomalia em filme. É sensacional e assustador o modo em que cada elemento de cena se encaixa, como tudo é milimetricamente pensado, como o que vemos é tão belo e inigualável — principalmente nos tons das cores, engendrados por um processo menos complexo que o Technicolor, o Trucolor.


É grandioso o cinema de faroeste norte-americano. Não tão grandiosa quanto, porém, é a crítica estadunidense, que desprezou a obra-prima de Ray (como já haviam feito antes e voltariam a fazer com diversas outras obras-primas). Por sorte, parte da crítica europeia (portuguesa, francesa) foi capaz de capturar a preciosidade de Johnny Guitar: se trata de um filme que, a cada segundo, revoluciona e reinventa o modo como nós, amantes desta arte (o cinema), lidamos com o nosso objeto de admiração, paixão e desejo.






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