CRÍTICA | O Último Azul é o reconhecimento de uma vida
- Roger Caroso

- 27 de ago.
- 4 min de leitura

Em meio a um grande ano do cinema brasileiro e a até então não definição do filme escolhido para representar o país no Oscar 2026, o novo longa de Gabriel Mascaro chega as telonas com um belo e contemplativo coração no formato de O Último Azul.
A obra se passa em aparente futuro próximo e distópico do Brasil, onde os idosos que completam 80 anos devem abandonar suas famílias e vidas para viverem em uma colônia habitacional para que “aproveitem” a melhor idade de forma pacata, sem atrapalhar o andamento econômico do resto da sociedade. Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos que ainda trabalha e tem pleno controle da vida, é surpreendida com uma ordem oficial do governo de que a idade obrigatória de ir para a colônia foi reduzida e agora ela terá de ir para o local em poucas semanas.
Com a determinação federal, a mulher passa a questionar não só as circunstâncias da criação de tal legislação, mas também da própria vida, assim, embarcando em uma viagem pelo Rio Amazonas em busca de realizar um sonho, mal sabia ela que esse era apenas um pontapé para uma completa redescoberta.

O Último Azul traz consigo uma das ambientações mais bonitas que a natureza pode conceber, isto é, a Floresta Amazônica. O que já é naturalmente belíssimo e encantador ganha novas curvas e tons a partir do incrível trabalho de fotografia liderado pelo mexicano Guillermo Garza, que junto a direção de Mascaro nos conduzem através das paisagens de maneira, ao mesmo tempo, ameaçadora em sua vastidão, mas também aconchegante como uma poesia árcade, ou talvez, o oposto de uma.
Por mais grandiosa pela própria natureza que a Amazônia é, ela aqui não é tratada como em tantas outras abordagens como algo exótico, mas sim como um pano de fundo, como parte de um escopo do estudo de personagem, nesse caso a Tereza. Esse lugar esteve, está e — espero — que continue aí, e por isso a protagonista não se apropria dele, ela começa a ser tornar parte dele, um novo elemento dentro desse maravilhoso escopo.

Para além das belas imagens, a obra se põe como uma reflexão, uma crítica e até uma realização. Por mais que a justificativa passada pelo Governo Federal seja de quem os idosos merecem um final de vida tranquilo e ameno, lhes dando isso como um direito, o verdadeiro intuito não é esse e a discussão toma dois rumos:
O primeiro, muito bem exemplificado em uma fala da filha de Tereza, tem um viés econômico sobre a produtividade da mão de obra, já que ela precisa, em um determinado momento, abdicar de certas horas de trabalho para acompanhar a própria mãe em um compromisso. Dessa forma, ela estaria desperdiçando o valor de trabalho em algo que não está ajudando a máquina girar, ou seja, tirar a responsabilidade dela sobre o idoso só beneficiaria o mercado.
O segundo é a proposta central do filme, o pensamento crítico a partir do envelhecimento. Historicamente pessoas mais velas foram símbolo de sabedoria, conhecimento e experiencia, mas quem disse que ainda há algum valor nisso? Para a economia, mais um velho trabalhando é mais uma mão de obra a ser explorada, claro, mas uma mão de obra que talvez não valha tanto a pena assim. Movimentos mais lentos, problemas de saúde e uma grande propensão a ligar o modo “dane-se, eu não preciso disso” acabam pesando contra. O novo sempre vem, você já atingiu seu limite, não tem o que descobrir ou evoluir.
Dessa maneira, o afastamento compulsório surge como a alternativa mais simples, vendida com facilidade através de um discurso pouco confiável. Mas, e para quem não caí nessa? Quem só quer seguir com a própria vida, aos próprios moldes?

Tereza se encaixa nesse grupo, daqueles que não vão aceitar tão fácil assim, daqueles que passaram a vida lutando a para serem quem são e agora não pretendem deixar isso escapar. A partir do pretexto de realizar um último sonho antes de ir para a colônia, ela embarca — literalmente — numa jornada de redescobrimento, desafiando a máxima de que nesse ponto ela só poderia aceitar quem é e não aprender mais nada ou conquistar mais nada.
Nesse caminho, ela tem contato com experiências que até então nunca havia pensado em viver, ela vai se aprimorando, ganhando voz e aguçando a curiosidade através de seus encontros com figuras tal qual Cadu (Rodrigo Santoro), Ludemir (Adanilo) e é claro, Roberta (Miriam Socarras). A cada nova conversa, a cada novo debate, a cada nova indagação, a pulga atrás da orelha de Tereza só cresce e ela passa a repensar atitudes, rever conceitos e se deixar não apenas sobreviver, mas também, efetivamente viver.
O que antes ela consideraria impensável, fora de alcance, agora é arriscável, é uma oportunidade de aprender, de se jogar e mostrar que não é só mais uma estatística, mas um ser humano como qualquer outro, que tem o direito de escolher ir e vir independentemente se idade já não é mais do agrado do mercado.

A premiação do filme em Berlim, com a vitória do prestigiado Urso de Prata (vencido anteriormente por um filme brasileiro apenas em 1978 com A Queda, de Ruy Guerra) o credencia como parte dessa boa leva de filmes nacionais deste ano, dos quais vários estão na corrida para representar o país na próxima edição do prêmio de Melhor Filme Internacional da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, como O Agente Secreto, de Kléber Mendonça Filho; Oeste Outra Vez, de Erico Rassi; Manas, de Mariana Brennand; Homem com H, de Esmir Filho; e mais outras onze produções,
A performance de Denise Weinberg como Tereza é sem dúvidas uma das mais poderosas deste ano. Um trabalho feito nos mínimos detalhes, com sutilezas impressionantes e uma capacidade surreal de ditar o tom da trama. Aqui ela consegue coordenar desde passagens emocionantes até momentos de euforia e êxtase com um dos confrontos mais marcantes do ano.
O Último Azul é um poço, ou melhor, rio de esperança não só para pessoas determinadas, mas também para toda uma geração da população que a cada dia vem sendo mais invisibilizada e tratada como mercadoria ultrapassada.
Nota: 4/5








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