CRÍTICA | Waiting on a Wish - A Branca de Neve que o público não desejou
- Marina Branco
- 27 de mar.
- 7 min de leitura

"Little girl at a lonely well
With the same little tale to tell
Feeling trapped by the walls that hold her
Feeling stuck in the story they've told her”
Se quiser entender a Branca de Neve de Rachel Zegler, sua história e para que veio, basta escutá-la. Na primeira música feita para a primeira princesa da Disney em seu live action, tudo fica claro nas entrelinhas para quem estiver disposto a prestar atenção. Não é uma reprodução. Não é uma cópia. É, como sempre prometeu ser, uma adaptação.
A grande dor em adaptar Branca de Neve é não se tratar de qualquer história, qualquer personagem, qualquer princesa. Se trata, na realidade, da pioneira do cinema. A primeira princesa, a que marcou o maior número de infâncias, e a que abriu todas as portas para as delicadas, corajosas e lindas meninas às quais toda pequena se apega ao longo da infância.
É como se o mundo fosse exatamente o que o filme conta dos súditos de Branca de Neve. Apaixonados por ela, nos apegamos à sua personalidade, seu jeito e seus trejeitos como os do filme se apagaram à bondade da líder que um dia tiveram. Ela foi a líder das princesas, dos sonhos, das fantasias. E não seria possível que qualquer Rainha Má, nem sequer a Disney, encostasse nela ilesa.
Foi o que aconteceu. A Disney quis mudar a história, quis mudar a Branca de Neve, e fez uma linda história a partir disso. Em um live action que é, de muito longe, o que mais entrega no visual realista de cenas que parecem um desenho animado de tão encantadas, especialmente na floresta, uma nova Branca de Neve é apresentada a um público que nunca a pediu.
O público queria dar vida à Branca de Neve, pioneira de 1937. A Disney queria apresentar a Branca de Neve de 2025. E os dois se desencontraram no caminho.
Holding out for someday
Hoping somehow, some way
There comes a miracle to find me

O príncipe encantado com o qual todas as meninas sonhavam, e o grande pioneiro de todos os Felipes, Erics, Naveens, Josés e muitos mais que ainda viriam, deixa de ser um príncipe. Agora Jhonathan, o “Prince Charming” se torna um revolucionário que desenvolve um romance excelente, bem construído, justificado e cheio de química com a princesa, mas não conhece a Branca de Neve indefesa no meio da floresta, e sim dentro do castelo. Conhece, inclusive, a tempo de se apaixonar muito antes de qualquer maçã, dando a oportunidade à Branca de Neve para consentir ao beijo que originalmente não seria uma escolha dela.
Era necessário? Depende do ponto de vista. Mas, se era, é inegável que a escolha de dar o consentimento em meio a uma música, especialmente uma tão linda quanto “A Hand Meets a Hand”, foi brilhante e justa. Injusto, no entanto, é tirar do primeiro príncipe a personalidade que moldou tantos que vieram depois.
Tirar, também, a personalidade de quem marca o filme a ponto de entrar para o título. A nova Branca de Neve não tem anões, mas sim seres mágicos que mineram com poderes. Não são os anões originais. Mas, de algum jeito, estão ali. Os nomes, as personalidades, e especialmente a doçura de Dunga são perfeitamente capturadas para as pequenas agora criaturas, que desenvolvem uma relação tão linda com a Branca de Neve quanto sempre foi prometido.
Os anões são, novamente, o ciclo da Branca de Neve de 2025 - não é o que a pioneira das princesas tinha, mas é louvável no que se é. Poderiam ser atores de verdade, ao invés de CGI? Talvez sim. Poderiam ser mais fieis à história original? Também. Mas são essas as mudanças que fazem com que eles não sejam os anões da Branca de Neve, quando existem cenas como o clipe de “Whistle While you Work”, que captura perfeitamente a amizade e o amor familiar entre eles? É injusto falar que sim.
Someone who could finally start
Start speaking with a fearless heart?
Someone who just might be brave?
Someone no one needs to save?

Tudo mudou. O nome inclusive, que deixa para trás a justificativa secular dos “cabelos pretos como o ébano, boca vermelha como o sangue e pele branca como a neve” para dar lugar a uma tempestade de neve que a princesa, simplesmente por nascer, teria “desbravado”. Justificativa rasa, pouco elaborada e com significado forçado para alguém que nem sequer desbravou a neve naquela noite. Ainda assim, compreensível.
A personalidade da Branca de Neve mudou, e ela não é mais a mesma. Os vocais de ópera - que, diga-se de passagem, Rachel Zegler já provou ser capaz de alcançar - dão lugar a músicas extremamente bem feitas e cantadas pela protagonista. Mas que não trazem a essência da princesa que cantava como passarinhos.
A Branca de Neve, antes delicada e assustada como uma menina de 14 anos seria, dá lugar a uma jovem mais velha, madura e corajosa, que sonha em ser uma líder muito acima de encontrar o amor. A busca pela liderança é linda, bem desenvolvida e extremamente bem interpretada. Só não é a Branca de Neve.
But in the shadow the kingdom's caught in
Somehow, fairness is long forgotten

As mudanças estão em tudo, até mesmo no espelho que se torna um ser mágico pouco superficial. Enquanto no desenho original a lisura do vidro transmite a simplicidade de ver beleza apenas pela parte física, o novo espelho enxerga a beleza interna como passível de competição, e usa essa justificativa para escolher uma Branca de Neve inegavelmente menos bela, especialmente pelo corte de cabelo deprimente que lhe foi dado, em relação à linda e imponente Rainha Má.
Rainha Má essa, que inveja a beleza da Branca de Neve. No entanto, a beleza agora é interna. Sendo assim, por que alguém tão má invejaria alguém pura e boa? Não se explica, não se sabe. É onde a linha entre adaptação e apego à originalidade se perde e peca pela falta de lógica e desenvolvimento.
A briga entre mundo fantasioso e mundo real se estende também à atriz. Em uma performance que jamais seria e nem prometeu ser tão incrível quanto a que entregou como Mulher Maravilha, Gal Gadot não faz uma vilã tão ruim quanto a comentada pelos espectadores. Possivelmente, os posicionamentos e decisões da atriz na vida real levaram o descontentamento do mundo com Gadot para um descontentamento com a Rainha.
No filme, Gadot cumpre o que é pedido dela. Novamente, não é a Rainha Má da Branca de Neve, a pioneira das vilãs. Em músicas que não combinam com a personagem em nada e uma transformação deprimentemente distante do terror da original, a nova vilã passa a sensação de que pode ser derrotada a qualquer momento - basta a Branca de Neve acordar.
Gadot não assusta, porque a personagem que lhe foi dada não assusta tanto quanto a original. Como poderia, se aceita ser derrotada ao perder uma arma que seria capaz de replicar usando apenas suas mãos? Se inveja a bondade de uma princesa? Se fica parada aguardando ser derrotada?
Na nova Branca de Neve, a Rainha é a antagonista que serve de pontapé para o crescimento da líder que a princesa quer se tornar, e Gadot é a coadjuvante que serve de pontapé para o crescimento da atriz excepcional que Rachel vem se tornando.
I close my eyes and see
The girl I'm meant to be
Is she a part of me
I've had to hide?
Rachel não é uma má Branca de Neve. Ela é perfeita para a Branca de Neve que lhe foi entregue. Cantando suas músicas lindamente, transmitindo bondade e coragem nas expressões e se conectando incrivelmente com os não-anões de CGI, a atuação de Zegler é impecável. Só, mais uma vez, não é a Branca de Neve.

As críticas ao live action são, acima de tudo, por um desencontro de expectativas entre público e criação, que só se encontram nos animais impecáveis e nos figurinos muito mais que perfeitos, réplicas quase idênticas dos desenhados por Walt Disney. Neles, as poucas mudanças, como a coroa de vidro da Rainha Má, parecem até mesmo melhorar as vestes originais.
Tudo que é feito no live action é, sim, bem feito. Visuais, figurino, animações, roteiro, músicas e atriz principal. Tudo funciona, tudo encaixa, e tudo se une em um produto final que encanta qualquer um que não seja encantado pela Branca de Neve.
She's dreaming all alone
Sharing secrets with the stone
Não é a Branca de Neve, como não prometeu ser desde o momento em que escalou uma atriz que não ama a personagem como a maioria das escolhidas amam suas princesas. Seja por despreparo midiático, seja por honestidade, Rachel nunca escondeu o quanto acha a história original ultrapassada, e o quanto tinha intenções de criar uma nova personagem.

Ela avisou, e talvez não tenha sido ouvida por um público exageradamente focado na aparência da atriz que, na realidade, não foi infiel, andando lado a lado com uma excelente caracterização da personagem. Já diria o novo espelho - as respostas nesse filme não estão no exterior, mas sim no interior.
Uma talentosa, doce e excelente atriz atraiu para si um dos trabalhos mais criticados de sua carreira por não ter cumprido a expectativa do público. Talvez, se tivesse prometido com todas as letras modificar e não recriar, como as amadas Brancas de Neve de Lily Collins e Ginnifer Goodwin, Rachel Zegler fosse tida como uma Branca de Neve maravilhosa.
Your voice will carry through
And bring that dream to you

Mas, se alguém pode ajudá-la a lidar com a onda de maldade que recaiu sobre ela em um projeto onde nenhuma das más decisões foi feita por ela, talvez seja justamente a princesa que ela não recriou, mas sim criou. É como diria a própria Branca de Neve: enquanto a princesa se tornou a líder que antes se sentia presa por não poder ser, Rachel se tornou a Branca de Neve que a Disney achou estar presa na personagem original.
Não é a Branca de Neve. Mas é linda ainda assim.
Nota: 4/5
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