CRÍTICA | Evidências do Amor é uma homenagem bem feita ao hit brasileiro
- Marina Branco
- 11 de abr. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Todo brasileiro sabe que, ao entrar em uma sala de karaokê, a regra é começar a lista de performances com Evidências. A música composta por José Augusto e interpretada por Chitãozinho e Xororó é uma febre no país inteiro, dessas que todo mundo sabe cantar e nunca parou de tocar em todos os lugares ao longo do tempo. Com a chegada do movimento de produções sobre músicas aclamadas no cinema brasileiro, que se inicia com canções como “Eduardo e Mônica” e “Faroeste Caboclo”, (sugestão: “evidentemente (rá!) o hit eternizado pela dupla sertaneja) o hit da dupla evidentemente não poderia ser deixado de fora, e ganha sua adaptação para as telonas em “Evidências do Amor”.
O longa surpreende o público ao trazer uma qualidade acima da esperada, e uma trama que não só adapta simplesmente a história contada na música, mas incorpora a melodia e a letra em cada cena. Protagonizado por Fábio Porchat e Sandy Leah, o filme acompanha a trajetória de Marco e Laura, um casal que se conheceu ao cantar Evidências juntos em um karaokê e viveu um amor maravilhoso até a chegada do pedido de casamento. Perto do grande dia, Laura termina com Marco, aparentemente sem razão nenhuma. Com isso, o público entra numa viagem junto ao personagem de Porchat, para descobrir os motivos que arruinaram seu casamento.
Nessa linha, a narrativa traz uma quebra total com a realidade. Sem compromisso com o que é crível, Marco se torna um viajante no tempo, voltando ao passado toda vez que escuta a música que uniu o casal, revendo como espectador uma cena de sua própria vida onde ele errou e que teria colaborado para o fim da relação. “Evidências do Amor” leva quem assiste a uma reflexão sobre os erros que não vemos em nós mesmos, enquanto o personagem descobre os próprios.
E nessa loucura
Interpretando um protagonista cômico e desesperado como de costume, Porchat não deixa a desejar em sua atuação. Engraçado, com uma naturalidade imensa em tela e uma proximidade com os trejeitos do personagem que faz quem conhece o ator sentir como se ele estivesse interpretando a si mesmo, o humor chega na medida certa. Tornando divertidos os “surtos” pela surrealidade da viagem no tempo e desenvolvendo uma química excelente com a personagem de Sandy, a sensação é de entrega completa ao papel, que foi de cenas emocionantes (como a que ele divide com o pai), até frames feitos para arrancar risadas (porque até nu Porchat fica no filme).
Já sua parceira na telona, Sandy, chega ao filme com um desafio imenso. Filha de Xororó, fica clara a escolha da protagonista como referência à história. Mas para quem assiste ao longa, a atriz prova ser muito mais do que isso. Apesar de afastada da atuação há dez anos, Sandy interpreta Laura com uma qualidade surpreendente, dentro da clássica visão de boa moça que sempre passou em sua imagem. Trazendo cenas emocionantes, engraçadas e muito românticas, é claro o merecimento do papel para muito além do parentesco. Mais que isso, em um filme sobre música e com passagens cantadas, é quase que obrigatório reconhecer a qualidade vocal absurda da cantora, que hipnotiza o público (e os personagens) a cada vez que solta a voz em cena.

Os coadjuvantes também entregam uma qualidade imensa no filme — especialmente Evelyn Castro, que interpreta a zeladora do prédio de Marco. Com uma dinâmica de dupla impressionante ao lado do protagonista , justificada pela química que os dois têm desde que trabalharam juntos em Porta dos Fundos, sua personagem é um grande alívio cômico e acerta muito em suas passagens como apoiadora do casal. Além disso, também cumpre um certo papel de representante do público, por diversas vezes falando o que o espectador pensa. Enquanto acompanhamos Marco nas visões de seus erros e o personagem não os percebe, Júlia é quem diz a ele tudo aquilo que o público gostaria de dizer.
A participação de Larissa Luz como chefe de Marco no trabalho também é uma adição preciosa ao filme. Com um humor certeiro, a personagem apoia Porchat em cenas de amizade e angústia, trazendo à tona os sentimentos e a humanidade do personagem.
Juntos, eles criam um filme que, apesar de surrealista com a brincadeira de viagem no tempo, tem uma conexão próxima ao brasileiro, com diálogos na linguagem usada no dia a dia, e problemas da vida real. A história permite que o público se espelhe na tela, tanto nas questões de egoísmo, descompasso e relacionamentos de hoje em dia, quanto nas crises no ambiente de trabalho, também muito retratadas nas cenas de Porchat como desenvolvedor de aplicativos. Nessa parte, o personagem é a representação em tela de muitas ansiedades da atualidade, tratando as angústias da viagem do tempo quase como um burnout.
Negando as aparências
A direção de “Evidências do Amor” fica a cargo de Pedro Antônio, que entrega um excelente trabalho na união de cenas curtas e flashbacks para criar uma narrativa linear. Com os personagens presos em um looping onde vivem sempre as mesmas situações, que nem mesmo podem ser alteradas, o risco de entediar quem assiste é alto, mas as montagens de Zaga Marteletto conseguem evitar esse erro iminente e trazer uma história envolvente, apesar do final previsível desde a metade do filme.
A fotografia de Pedro Faestein também contribui muito para o conjunto da trama. Brincando com as cores e aplicando um filtro azul nas cenas em que Marco está perdido, o filme vai ganhando cor à medida que o personagem cai em si, colaborando para causar a sensação certa no público.

E se a meta era fazer um filme da música Evidências, essa foi cumprida com sucesso. É impossível sair da sala sem a canção em looping na mente, já que ela é tocada inúmeras vezes ao longo do tempo, mas não de maneira cansativa. Foi a maneira encontrada pela produção de transmitir Evidências como um hit que toca em todo lugar e a todo tempo, como é dito pelo próprio personagem Marco. Quem conhece a música das ruas do Brasil se identifica com o sentimento de que é impossível fugir dela, criando uma relação ainda maior com a canção. Não parece ser a história de um casal com a música, mas sim a história de cada brasileiro assistindo, que ouve o tempo todo e cria uma conexão própria com a canção em sua vida.
A conexão do filme com a música que o inspira vai além da história, e inclui até mesmo os personagens responsáveis por ela na trama. Com participações especiais de José Augusto, compositor da trilha sonora principal do filme, e da dupla Chitãozinho e Xororó, os donos da canção participam da construção da história, aconselhando Marco em momentos de tensão, e comemorando junto ao casal nos de alegria.

Só quero ouvir você dizer que sim
“Evidências do Amor” cumpre com maestria a tarefa de fazer um tributo a uma das músicas mais famosas do Brasil, em uma comédia romântica que surpreende em sua qualidade. Apesar de previsível e não muito inovadora, consegue divertir e emocionar quem assiste, apresentando um casal com uma química que funciona muito bem, e um humor bem dosado. É uma história sobre saudade, arrependimento e segundas chances, que faz qualquer um acreditar, mesmo que por pouco tempo, na possibilidade de um amor verdadeiro — mas não, isso não é uma mensagem para te convencer a voltar com seu ex.
Por fim, a mensagem que fica é a possibilidade de crescimento, percepção e reparação de nossos próprios erros. Mas, mais que isso, o longa deixa uma nostalgia grande nos fãs da canção, que são até mesmo incluídos no filme, em trechos de pessoas cantando Evidências pelo Brasil inteiro nos créditos. É uma história sobre como a música é uma magia que une pessoas em um mesmo sentimento — o que o filme consegue fazer.
Nota: 4/5
Comments