CRÍTICA | Dormir de Olhos Abertos é como viver em um aquário
- Victor Lee
- há 2 dias
- 3 min de leitura

Uma das sensações mais estranhas quando se está em um lugar diferente é se sentir um peixe fora d’água. Isso se repete em diversos lugares com pequenas e grandes escalas, como mudar de uma escola para outra, na academia ou até em um novo emprego. Mas imagine se sentir assim em outro país, sendo um imigrante? Bom, é isso que o novo filme Dormir de Olhos Abertos aborda durante toda a trama.
A obra mergulha em uma série de histórias de rejeição e abandono. A narrativa mostra três pilares que se encontram com apenas uma palavra: imigrantes. No início da história, conhecemos uma mulher taiwanesa que se mostra uma pessoa solitária. A obra deixa claro que ela está à espera de um possível namorado que nunca chega.
Em seguida, somos levados a acompanhar um vendedor cujos produtos são intrinsecamente indesejáveis para a cidade onde ele vive, já que a venda é de guarda-chuvas em uma cidade sem chuva ou até a venda de boias em uma praia deserta e de cartões-postais para uma cidade sem turistas. A história culmina com uma jovem que, apesar de trabalhar no varejo de roupas da tia, não é reconhecida por seu trabalho por causa de seus laços familiares.
Longe de sua pátria e desconectados da cultura de Recife, os personagens Xiao Xin (Chen Xiao Xin), Fu Ang (Wang Shin-Hong) e Kai (Liai Kai Ro) subvertem a ideia tradicional de turismo. Eles não buscam acumular experiências ou adicionar novos destinos à sua lista pessoal, mas sim operam sob a lógica da subtração. A todo momento, a construção da narrativa reforça a importância de como a perda ou a falta de algo familiar para eles é algo que afeta tudo ao seu redor, mesmo que sempre precisem se forçar a buscar mais e mais.

Com a direção de Nele Wohlatz e o roteiro em conjunto com Pío Longo, o filme se liberta das convenções da dramaturgia clássica de mostrar tudo de forma certinha. Nele faz algo bem interessante ao permitir que personagens centrais simplesmente desapareçam, seja através de uma montagem paralela, ou porque decidiram voltar para casa ou explorar outras cidades no Brasil. Isso também nos traz a ideia de como a vida é passageira, em pontos mais filosóficos do filme.
Dessa forma, a figura que antes conduzia a história e era o foco constante da câmera, de repente, se esvai. A lógica da separação não se limita aos personagens, mas também se estende à relação entre a imagem e aqueles que a habitam, nos forçando a prestar atenção a todo momento na rotina de cada pessoa.
Outro ponto que está presente é a busca por um lugar que seja considerado “familiar”, onde todo o núcleo presente do filme sempre visa construir laços em conjunto como: sair, beber, comer, ver televisão, trabalhar. Com essa visão, a ideia de se sentir um peixe fora d’água se torna a de vários peixes dentro do aquário, ou seja, mesmo quando eles estão em um ambiente propício para viver, ainda se sentem presos por não ter a mesma liberdade das pessoas ao redor.
Ainda em busca de trazer mais um debate para o filme, mesmo ele sendo mesclado na produção, direção e atores, juntando os países da Alemanha, Brasil e China. Isso mostra o quanto o cinema mundial pode sempre abraçar e entender os costumes de cada sociedade, ainda mais quando se trata do Brasil, um lugar que antes de se chamar Brasil, já tinha uma grande gama de estrangeiros.
Atualmente, o Brasil segue como um importante destino para imigrantes de diversas partes do mundo. Segundo os dados mais recentes do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), uma instituição ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, de acordo com o Relatório Anual de 2023, que se baseia em informações da
Polícia Federal, o Brasil registrou 1.688.354 imigrantes com documentação ativa.

Dessa forma, Dormir de Olhos Abertos mescla realidade, ficção e criatividade ao apresentar seus personagens e sua história de forma reflexiva. A obra, além de deixar clara sua narrativa, nos leva a outras visões de como ver estrangeiros que vêm para a nossa terra. Além de ser uma pauta discutida nos últimos anos, sem dúvidas, o filme chegou no momento certo.
Nele e toda a equipe conseguiram transparecer de forma não linear algo que se tornou direto em toda a discussão do filme. Outro ponto interessante é como o longa consegue abordar os detalhes em seus planos de câmera, que sempre aparecem mais abertos e distantes dos personagens, reforçando ainda mais esse grau de distância de cada um com sua origem ou terra natal.
Nota: 3/5 🐟🎣
Comentários