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CRÍTICA | 3 Obás de Xangô é exaltação à estética da Bahia e do candomblé

Uma foto editada de Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé do filme 3 obás de xangô

O Obá de Xangô, no candomblé, é um cargo concedido a pessoas que atuam como uma espécie de "ministro" ou "embaixador" do terreiro perante a sociedade. Sua função é criar pontes entre a religião e o mundo externo, além de defender e disseminar a cultura e a fé afro-brasileira. A instituição foi criada por Mãe Aninha (1869–1938), então líder do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador.


Mãe Senhora (1890–1967) ampliou o corpo dos Obás e concedeu o título a três ícones da cultura brasileira, protagonistas do documentário dirigido por Sérgio Machado: o escritor Jorge Amado (1912–2001), o compositor Dorival Caymmi (1914–2008) e o artista plástico Carybé (1911–1997).


O documentário mergulha na trajetória desses três artistas, unidos por uma profunda amizade, mas também por um elo ainda mais forte: o espiritual. Todos eram ligados no axé, inclusive, tanto Amado quanto Carybé eram filhos de Oxóssi.


Imagem de Jorge Amado e Carybé no filme 3 obás de Xangô
Divulgação / Gullane

Esse vínculo afetivo e espiritual entre os três, assim como com a Bahia e o candomblé, é o que conduz o longa. Imagens, entrevistas e áudios raros (alguns deles inéditos) compõem um retrato íntimo e sensível. Por meio dessa conexão e de suas obras, os três Obás exerceram sua missão diplomática pelo candomblé: escrever, pintar e compor uma cidade de axé, beleza e resistência.


As filmagens criam uma sensação de intimidade. Nos sentimos parte daquele círculo de artistas cuja casa estava sempre cheia. Essa proximidade é também característica da arte dos três, verdadeiros retratistas da vida cotidiana e da cultura popular de Salvador, suas obras falam diretamente com o povo e sobre ele.


Em uma das mais lindas passagens, Jorge Amado declara se orgulhar de ser conhecido como um autor das putas e dos vagabundos, que foram seus professores na universidade das ruas.


Imagem de Jorge Amado, Dorival Caymmi, Mãe Aninha e Carybé no filme 3 obás de Xangô
Divulgação / Gullane

Machado relaciona a Bahia festiva e encantadora à biografia dos artistas, reconhecendo também a influência do candomblé na formação dos códigos e condutas da sociedade soteropolitana como um todo.


O documentário conta, assim, também a história do culto aos orixás na capital baiana, incluindo o período em que a prática foi proibida e criminalizada, como a capoeira e o samba, expressões culturais negras que sobreviveram à opressão. Para ilustrar essas passagens, o diretor utiliza imagens de arquivo da antiga Salvador e cenas emblemáticas do cinema brasileiro, especialmente de filmes de Nelson Pereira dos Santos, baseados na obra de Jorge Amado.


Embora o filme tenha como foco três homens, ele reverencia as grandes Iyalorixás de Salvador, lembrando que o candomblé é, essencialmente, um matriarcado. Há momentos belíssimos com Mãe Stella de Oxóssi (1925–2018) e Mãe Menininha do Gantois (1894–1986), fundamentais para a história da religião no Brasil.


Imagem de Jorge Amado e Zélia Gattai no filme 3 obás de Xangô
Divulgação / Gullane

O filme se abre com a frase: "Liturgia é o poder do povo em sinergia. Política é o poder do povo em consenso." O papel dos Obás sintetiza bem essa ideia: o equilíbrio entre função litúrgica e atuação política exercido pelos escolhidos é a materialização desse princípio.


Mais do que discurso, 3 Obás de Xangô também se apropria da estética do candomblé, a religião da beleza, da dança dos corpos pretos manifestando divindades, em cerimônias que são festas onde vários deuses, reis e rainhas se reúnem num só espaço.


Sérgio Machado faz algo semelhante ao reunir não apenas o trio central, mas também figuras que os cercavam e contribuem tanto quanto para a cultura brasileira: Zélia Gattai, Camafeu de Oxóssi, Pierre Verger, Muniz Sodré e muitos outros, numa mesma Bahia.


Nota: 5/5



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