NANA e a íntima relação com a moda Punk Rock
- Jotapi (Convidado)
- 15 de abr.
- 5 min de leitura

NANA foi, definitivamente, um fenômeno dos mangás shoujo (um subgênero da cultura pop japonesa que tem seu conteúdo voltado ao público jovem feminino), rivalizando e até superando várias obras shounen, que são as queridinhas do público geral, tendo vendido, em média, 2.3 milhões de cópias por volume, carregando consigo temáticas que fizeram parte das vidas de diversos leitores dos anos 2000, com uma notável relevância até os dias de hoje.
Dentre essas temáticas, com certeza uma que ganha enorme destaque é a moda e a expressão artística fashion da cena Punk Rock, uma subcultura resgatada e valorizada nos paineis desta obra.
A AUTORA
Antes de irmos a fundo nesse universo, precisamos entender um pouco da artista por trás de tudo: Ai Yazawa, autora de sucessos, como Paradise Kiss e Neighborhood Story, sempre se interessou por moda no geral, sonhando até com se tornar uma fashion designer.

Como a vida toma rumos inesperados, Yazawa acabou tornando-se mangaká, mas nunca perdeu sua “veia fashionista”, trabalhando com temas que se relacionam direta ou indiretamente com o mundo da moda, inserindo em suas histórias elementos estéticos e temáticos que remontam toda sua paixão pela arte de se vestir.
Com relação às influências Punk, Yazawa nunca participou diretamente do movimento, mas ao longo de sua vida, principalmente no período em que estudou moda na Osaka Mode Gakuen, acabou recebendo influências de diversos nichos, inclusive os mais alternativos, como o Punk. É notório que toda essa bagagem influenciou muito os seus trabalhos, que transbordam essas subculturas.
A OBRA DE NANA
Quem dá o nome da obra são as duas protagonistas da história: Nana Osaki e Nana Komatsu, duas jovens mulheres que acabam se tornando inseparáveis por diversas coincidências do destino — começando pelo nome idêntico —, por mais que ambas tenham personalidades completamente diferentes e estilos opostos.

A história se situa na cena musical alternativa de Tokyo, acompanhando a vida dessas garotas e a relação da banda Punk emergente de Osaki com os desafios ao longo de sua caminhada rumo ao estrelato. Ai Yazawa incrementa a narrativa com relacionamentos conturbados e situações cruas, que prendem e geram identificação no leitor, com personagens densos e, é claro, estilosos.
A RELAÇÃO COM A MODA
Todos os personagens em NANA possuem caracterizações autênticas, que fazem referência a grandes nomes do mundo da moda, com destaque para Vivienne Westwood, uma designer que entrou para a história com seus trabalhos disruptivos e hipnotizantes.

A mãe do estilo Punk, como quero chamá-la aqui, deixou sua marca ao lançar suas primeiras peças icônicas na boutique SEX , que caíram no gosto dos jovens punks ingleses nos anos de 1970, construindo toda uma identidade visual para o movimento e inflamando a cena fashion da época.
Algumas décadas depois, nos anos 2000, NANA vem e bebe dessa fonte artística, sem esconder suas referências em trajes, acessórios e composições estéticas, trazendo, por exemplo, a icônica jaqueta vermelho-sangue com um coração no centro (imagem acima), o clássico símbolo do orb com a cruz na parte superior (imagem abaixo), os padrões quadriculados, o estilo destroyed das vestimentas… Enfim, uma gama considerável de “homenagens” à Vivienne e à moda Punk que existem na vida real.

O PUNK ENQUANTO MOVIMENTO
Sei que com a infinidade de subculturas fica difícil entender muito bem sobre o que estamos falando, é muito fácil confundir certos sub gêneros, como o grunge, o emo, o indie… Por essa razão, dedico essa seção a abordar a história e o impacto do Punk enquanto movimento.
Para além da moda, o Punk é muito rico e possui uma importância histórica e social enorme, tendo reverberado de diversas maneiras na sociedade. Então, no intuito de compreender essa relevância, precisamos entender suas origens.

Em meados dos anos 70, nascia na Inglaterra, num contexto de crise e insatisfação, uma banda que daria início à corrente contracultural que viria a se tornar o Punk como conhecemos hoje: os Sex Pistols.
Os Pistols foram um fenômeno que vieram para reformular a lógica underground da juventude inglesa daquela época com seu álbum Never Mind the Bollocks, fazendo uma crítica contundente à exploração sistêmica da monarquia parlamentarista inglesa, trazendo com seus visuais marcantes e estilo agressivo, tanto na maneira de se vestir, quanto na maneira de se expressar musicalmente, um grito e um respiro à juventude.
Esses punkheads faziam as próprias vestimentas, agiam de maneira rebelde e criticavam tudo que os agrediam enquanto cidadãos, promovendo ideais revolucionários à sua maneira, o que incomodava a sociedade como um todo.
Esse incômodo fez as massas marginalizarem os adeptos dessa identidade, segregando e atacando os jovens que iam contra a corrente, principalmente por influência das grandes mídias e personalidades.
Uma coisa é certa, muitos punks se sentiam “realizados” ao serem atacados ou censurados, pois sentiam que estavam cumprindo com o que estavam se propondo, que no caso era chocar, impactar e marcar presença.
Ao longo do tempo, o movimento ganhou credibilidade global, se espalhando para diversos países, formando bandas e punks por todo o mundo, inclusive no Brasil (muitas bandas surgiram no período ditatorial como forma de luta, fica a recomendação de algumas: Ratos de Porão, Cólera e Garotos Podres) e, é claro, no Japão.
Diversos grupos musicais, como The Stalin e Gauze, alcançaram bons números de ouvintes e trouxeram à tona a estética Punk Rock para o cenário nipônico. Nesse meio, fica claro que as influências de Ai Yazawa não surgiram do nada, elas vêm de um histórico sociocultural muito rico.
Inclusive, NANA não se limitou a um fenômeno literário, suas adaptações em anime e live action davam vida às músicas do mangá, trazendo canções que despontaram nas rádios japonesas, misturando o gênero Punk com o Pop, como ROSE e ZERO da cantora Anna Tsuchiya.
Acho que já dá para ter uma noção do que seria o Punk enquanto movimento, entendendo como ele surgiu e como ele está reverberando e se transformando até hoje com bandas gigantes, a exemplo do Green Day, que lançou um EP novo em 2024, recheado de tudo que um punk gosta: agressividade, crítica e caos. É uma boa pedida para quem quer ouvir um pouco de como o gênero está soando no mainstream dos dias atuais.
Por mais que não tenha a mesma popularidade de antes, o Punk ainda vive e se mantém resistência!

IMPACTO GERACIONAL DE NANA
A estética Punk vinha caindo em um certo esquecimento, muitos jovens haviam perdido o norte para se inspirar em looks que trouxessem essa perspectiva, afinal de contas foi um movimento que teve seu boom em meados de 1970, não havia mais um nicho consolidado. Por mais que o movimento Punk sempre teve sua força na cultura underground, ele estava perdendo certo espaço, ao menos no que tange a moda, para outros movimentos dessa cena, já que essa está sempre em movimento.

NANA veio como uma virada nesse paradigma, reacendendo a chama da juventude no que tange o gosto por esses elementos visuais. Todo jovem que se preze, ao acompanhar tanto o mangá a partir dos anos 2000, quanto o anime nos anos de 2006-2007, saiu com uma admiração, mesmo que tímida, às roupas que estavam sendo dispostas em cena, às personalidades envolvidas com essas roupas, aos contextos trazidos por essa moda contracultural e chocante.
Certamente, NANA formou e formará, assim como fez comigo, muitos entusiastas da moda e do Punk Rock ao redor do mundo.
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