Kung Fu Panda: o destino e a simbologia das cores
- Artur Soares
- 9 de jan. de 2024
- 12 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

A franquia Kung Fu Panda sempre foi reconhecida por seu alto grau de qualidade. Criada em 2008, a saga da DreamWorks se tornou um sucesso e vem agora com seu quarto filme este ano. Com a promessa de uma nova trilogia vindo aí, nada melhor do que revisitar os primeiros longas da saga. Um aspecto inquestionável nos três filmes é o quão bom são seus vilões.
Tai Lung, Lord Shen e General Kai. Três ameaças que colocam à prova aspectos diferentes do protagonista, contribuindo para sua evolução como Dragão Guerreiro. Corpo, mente e espírito. Os três vilões foram desafios essenciais para a jornada de Po. Cada um se apresentava ameaçador à sua maneira e serviam como uma representação da antítese do Panda.
Entretanto, existem outros dois aspectos que ligam esses três personagens: o destino e o RGB. Desde seu início, Kung Fu Panda é uma saga sobre o destino. Logo no primeiro filme, Oogway deixa claro a existência do destino e como ele é inevitável, independente do quanto você se esforce para evitá-lo.
Às vezes encontramos nosso destino no caminho que tomamos para evitá-lo
Esse paradoxo é o que cerca todos os três personagens e o motivo de suas quedas, mas vamos explorar isso um pouco mais para frente. Outra característica marcante desses personagens é como cada um deles representa uma cor do RGB, um sistema de cores usado em dispositivos eletrônicos, como monitores de computador e televisões.
Red (vermelho), Green (verde) e Blue (azul). Além de representar esteticamente cada antagonista, cada uma das cores também diz um pouco sobre a personalidade do personagem o qual está representante. E se você acha que tudo isso foi apenas coincidência, eu tenho duas coisas para te dizer. Primeiro: não existem acidentes. Segundo: o próprio perfil da DreamWorks já comentou sobre a importância da teoria das cores para a franquia.

A Teoria das Cores ou Psicologia das Cores é uma área de estudo que associa cores a certo tipo de sentimento ou reação. Em resumo, nosso cérebro reage de forma diferente ao presenciar determinadas colorações, uma vez que ele automaticamente associa aquele tom a outro conceito. Hoje, nós vamos usar um pouco desse estudo para entender como cada vilão está intimamente ligado à cor que representa.
Tai Lung e o azul gélido
Começando por aquele que é o vilão favorito de uma grande parte do fandom de Kung Fu Panda — o que certamente foi o motivo para o seu grande retorno no quarto filme. Tai Lung foi o primeiro obstáculo na jornada de Po e protagoniza algumas das cenas mais memoráveis da franquia.
Tai Lung representa o desafio físico na carreira de Po. O vilão apresenta um porte atlético e foi estabelecido um dos maiores mestres de Kung Fu, ao contrário do panda, que era constantemente ridicularizado por ser gordo e não ter nenhum tipo de habilidade de luta. Esse paralelo fica ainda mais interessante pelo fato de, na vida real, os leopardos serem os predadores naturais dos pandas, o que reforça a relação de antítese entre os dois.

Logo em sua primeira aparição, no breve flashback de Shifu, o vilão já aparece banhado em uma luz azulada. Essa iluminação cerca o personagem na maioria das aparições que ele faz durante o filme. Em sua introdução, o icônico momento na prisão, o personagem também é rodeado por essa mesma luz. O mesmo ocorre durante seu embate com Shifu no Palácio de Jade.
Isso acontece porque Tai Lung é um leopardo-das-neves, um animal que habita os picos gelados da Ásia central, o que acaba refletindo na sua associação com uma cor fria. Essa justificativa ganha ainda mais força quando a prisão em que o personagem estava encarcerado fica justamente numa região montanhosa e coberta de neve, o que demonstra que aquele lugar era o “verdadeiro lar” de um sujeito como ele.

Além disso, a cor também reflete muito de sua personalidade. O personagem é extremamente frio durante o filme inteiro, não ligando para quem ele deve passar por cima para conquistar seus objetivos. O azul também é uma cor muito associada à paz de espírito, à tranquilidade, coisas que são justamente o oposto de Tai Lung e o motivo dele não ser considerado digno do título de Dragão Guerreiro.
As conexões do felino com a cor azulada está presente até em suas habilidades. Quando Tai Lung desfere seu principal golpe, em que atinge os pontos nervosos do inimigo, uma energia azul perpassa por todo corpo do oponente. Além disso, durante o embate com Shifu, o vilão incendeia seus punhos com chamas azuis.

Por falar em chamas azuis, essa cor de fogo geralmente está associada a personagens considerados “prodigios”. Um exemplo disso é Azula, da série Avatar, uma dobradora de fogo com um poder nunca visto antes. Também é o caso de Dabi, do anime Boku no Hero Academia, que é dito ter chamas mais poderosas que qualquer outro na obra. Dito isso, a técnica foi uma escolha perfeita para Tai Lung, dado que ele foi considerado como um gênio das artes marciais desde a infância.
Um subtexto que serve como base para toda a trama do primeiro filme é o modo como cumprimos nosso destino ao tentar evitá-lo. Todo o enredo da obra só acontece por conta do medo do Mestre Shifu. Quando Oogway conta sobre a visão que teve relacionado à fuga de Tai Lung, o mestre envia um ganso mensageiro para pedir que a prisão reforce a segurança.

Mais para frente na trama, Tai Lung consegue escapar usando uma pena justamente desse mensageiro. Em resposta, Shifu se vê forçado a escolher um novo Dragão Guerreiro, o único lutador capaz de deter aquela ameaça. Por conta disso, Po acaba sendo escolhido, contrariando todas as expectativas de Shifu. Entretanto, o panda realmente acaba sendo o responsável por trazer paz a vila.
Analisando mais a fundo, o próprio Tai Lung só existe por conta do medo de Shifu. Originalmente, o mestre treinou o futuro vilão pensando que ele se tornaria o Dragão Guerreiro, o que traria paz ao vilarejo. Ao ser negado seu título, o leopardo destruiu a vila. O local só foi atacado por conta do medo que Shifu tinha de que o local fosse atacado — tanto no presente, quanto no passado. O destino é inevitável.
Lord Shen e o vermelho raivoso
A China foi responsável pela descoberta da pólvora, um invento que trouxe ao mundo o encanto dos fogos de artifício e o terror da arma de fogo. O mundo inteiro mudou depois do surgimento desta última, que trouxe uma espécie de “equilíbrio de poder”, uma vez que até o mais frágil dos homens se tornaria uma ameaça mortal quando em posse de uma arma de fogo.

É com essa premissa que Kung Fu Panda 2 apresenta o incrível Lord Shen, um vilão simplesmente espetacular. Diferente de Tai Lung ou General Kai, que são guerreiros implacáveis, o Lord Shen se destaca pela sua incrível inteligência. Por ser um pavão, uma ave normalmente associada à beleza e delicadeza, ele não é desenvolvido como um grande mestre de Kung Fu — embora consiga se virar muito bem quando é preciso.
Na trama, os pais de Shen foram os responsáveis pela criação dos fogos de artifício, mas seu filho viu naquilo um caminho para conseguir poder. Shen se destaca dos demais por se tornar a maior ameaça já vista pelo Kung Fu. Com suas armas, ele não precisaria se tornar o lutador mais poderoso, uma vez que ele conseguiria vencer de qualquer um apenas acendendo um pavio.

Por conta disso, o pavão se concretiza como o desafio mental da trajetória de Po. O vilão é um exímio estrategista, sempre estando um passo à frente dos heróis. Entretanto, ser extremamente precavido seria o motivo de sua queda porque, como já vimos, os vilões sempre encontram seu destino no caminho para evitá-lo. Ao saber da profecia que um “guerreiro preto e branco” seria responsável por detê-lo, Shen ordena a realização de um genocidio na vila dos pandas.
Esse ato desesperado para evitar seu destino faz com que o pequeno Po seja deixado numa caixa de rabanetes. A caixa seria levada até o restaurante do Sr. Ping e o resto da história vocês já sabem. Ao tentar evitar o surgimento do guerreiro preto e branco, Shen se tornou o responsável por sua criação. Esse envolvimento com o passado de Po reforça seu papel como o desafio mental do Dragão Guerreiro, dado que o panda apresenta um grande dilema sobre aceitar seu passado e quem ele é.

Falando agora sobre as cores, o design de Shen se mostra muito interessante. Diferente de seus pais, o vilão é completamente branco, uma cor associada à pureza e à paz, duas características que representam o completo oposto da figura de Shen. A única outra cor presente em suas plumas é o vermelho, que atua como verdadeiras manchas no meio de uma grande “pureza”.
Esse visual se mostra muito simbólico. O vermelho é a impureza no meio de uma vastidão de branco, assim como Shen era a impureza na linhagem dos pavões. De outra maneira, Shen também representa o modo como algo “puro” pode se converter em maligno, dado que sua arma de fogo é originada dos fogos de artifício, que eram utilizados para encantar os moradores.

A escolha do branco para um pavão acontece por conta da associação da ave com delicadeza. Ao primeiro momento, Shen se apresenta como uma pessoa calma, racional e de fala mansa, mas logo deixa sua ira tomar conta e mostra quem realmente é. Ele é “puro e delicado”, mas ao abrir sua cauda revela sua verdadeira natureza através da cor vermelha. O vermelho é comumente associado a violência e a raiva, características que representam o verdadeiro Shen.
A grande motivação do vilão é o ódio que ele sente. Ele acreditava merecer ser o governante de Gongmen City, mas foi negado. Ele acreditava que criar armas com o poder da pólvora era o certo a se fazer, mas foi tratado com repulsa. Ele queria ter aprovação dos pais, mas foi exilado por eles. Ele acreditava ter um destino glorioso, mas foi profetizado com sua queda. Todas essas situações fizeram com que ele cultivasse uma grande raiva dentro de si.

A raiva é tão presente na figura de Shen que até suas pupilas são vermelhas, o que serve para representar que ele estaria cego pelo ódio — o que é reforçado pela velha anciã, que enfatiza o tamanho da loucura e decadência em que Shen estava entrando. Outra associação feita com a cor vermelha é o sangue, que também cabe perfeitamente na história de Shen. Seu objetivo era matar o Kung Fu e para isso ele ordenou o genocídio dos pandas.
Assim como Tai Lung e sua cor fria, a escolha de uma cor quente também não foi por acaso. Shen é o inventor da arma de fogo, ele causa a destruição através de grandes explosões, além de existir todo um segmento que se passa dentro de uma forja, um lugar de temperaturas altíssimas. Dentro desse contexto, era impossível escolher uma cor que não fosse quente.

Outra semelhança que o pavão compartilha com o leopardo é sua relação com a iluminação. Durante todo o longa, Shen aparece banhado numa luz vermelha. Seja através do fogo de sinalizadores, da luz dos caldeirões ou até mesmo do disparo de seus canhões, Shen sempre está rodeado de uma coloração avermelhada, o que enfatiza os traços de sua personalidade.
Na sua introdução, ele já aparece rodeado dessa iluminação, o que prenuncia o assassinato do mestre Rino Trovão — por estar relacionado com sangue, o vermelho também é naturalmente associado a morte. Vale destacar o quão genial é a direção do longa, visto que Gongmen City apresenta uma iluminação neutra, mas com a chegada de Shen ela vai se banhando cada vez mais na cor vermelha.

O fim de Shen também é extremamente carregado de simbolismos. Durante seu embate final com Po — que além de uma luta física, é um duelo de ideais —, a arma destruída de Shen caí sobre seu criador, representando que ele foi esmagado por suas próprias ambições. Não só isso, como o pavão fecha os olhos momentos antes de ser atingido, mostrando que na sua morte ele finalmente conseguiu aceitar seu destino.
General Kai e o verde místico
Depois de dois filmes espetaculares, o terceiro deixa um gosto um tanto quanto agridoce. O público se dividiu entre quem ama e quem odeia Kung Fu Panda 3, mas se existe uma coisa que todos concordam é que o General Kai é um vilão muito bom. Dos três, ele é o que tem a motivação mais fraca, mas compensa com um character design marcante, cenas de ação de tirar o fôlego, uma presença imponente e uma música tema espetacular.

Depois de superar um desafio físico e um mental, tudo que resta para o nascimento do verdadeiro Dragão Guerreiro é o domínio do espírito. Para isso, o longa apresenta um espírito guerreiro com fortes inspirações no Fantasma de Esparta. O visual e habilidades de Kai são incríveis e convergem numa só coisa: a cor verde. Para fechar a referência ao RGB, o último vilão representa a coloração verde.
Dentre os três antagonistas, Kai é o que possui a relação mais direta com sua cor. Se colocarmos lado a lado, é nítido como a importância das cores vai aumentando conforme os filmes, ao ponto que no primeiro a relação de Tai Lung se limitava apenas a uma questão estética e de subtexto, enquanto no terceiro a cor realmente desempenha um papel importante na trama. Isso se dá porque o verde representa o lado maligno do Chi. Dessa forma, a cor assume uma aura quase mística.

Por ser um longa sobre a trajetória de evolução espiritual de Po, o enredo do terceiro filme se desenvolve ao redor do Chi, uma energia vital presente em todos os seres vivos. Ele pode ser doado ou tomado, sendo composto por um lado positivo (quando doado) e um negativo (quando tomado). O lado bom é representado pela cor amarela, enquanto o lado ruim assume a cor verde. O Chi é baseado no conceito de Yin-Yang, que representa a dualidade e equilíbrio de todas as coisas no universo.
O Ying-Yang também é usado como alicerce para o desenvolvimento da relação de Kai e Oogway. Ambos se consideravam irmãos e, depois de uma grande batalha, Kai levou seu amigo até o vilarejo dos pandas para que Oogway pudesse curar seus ferimentos. Naquele local, os dois aprenderam o conceito de Chi mas, enquanto a tartaruga ficou satisfeita em aprender a doar o Chi, Kai foi ambicioso e aprendeu a tomá-lo.

Kai é Yin e Oogway é Yang. Um é a escuridão e o outro a luz. Um representa o lado amarelo e positivo do Chi, enquanto o outro é o lado verde e negativo. Apesar dessa conexão e dualidade entre os dois, Oogway admite logo na cena inicial que não era seu destino deter Kai, mas sim do dragão Guerreiro. Dessa forma, tudo que aconteceu até então era apenas uma preparação para que Po conseguisse cumprir seu destino: deter Kai.
O vilão toma o Chi de seu antigo amigo e escapa do reino dos espíritos, acreditando que finalmente havia escapado de sua eterna prisão. Mal sabia ele que essa atitude levaria ao seu fim, uma vez que a ameaça que Kai representava foi a motivação necessária para que Po se tornasse um mestre do Chi. A trilogia Kung Fu Panda, acima de tudo, se prova uma história sobre não tentar evitar seu destino.

A justificativa que o enredo entrega para a relação entre Kai e a cor verde é o fato do vilão usufruir do lado negativo do Chi. Porém, do ponto de vista técnico, existem outros motivos para isso. Além de fechar o RGB, a cor verde também está relacionada a ganância e desejo de poder, o que descreve perfeitamente o personagem. O verde também é associado à vida, sendo bastante utilizado em ambientes de hospitais, o que ressalta a capacidade de Kai controlar a energia vital.
O verde também funciona como uma cor de alerta, sempre estando relacionado a algo perigoso e prejudicial. Isso pode ser visto na representação de venenos ou radiação, que sempre são retratados em tons esverdeados. Essa simbologia enfatiza o perigo apresentado por Kai e como ele é a encarnação de uma mentalidade “venenosa” para o Kung Fu, visto que ele é levado por motivações completamente egoístas.

Por ter essa conexão com a ganância e coisas prejudiciais, com o passar dos anos o verde foi amplamente usado para a representação de vilões. Duende Verde, Charada, Brainiac, Lex Luthor, Loki, Doutor Destino e uma infinidade de personagens comprovam que o verde é, na maioria das vezes, associado a algo maligno. Outra justificativa para essa relação é o papel que o verde desempenha na representação de algo doente. Verde é a cor do muco, do vômito, sempre sendo um indício de que as coisas não estão como deveriam estar.
Além de suas habilidades e seus “zumbis de jade”, a cor verde também está presente nas lâminas de Kai. Esse fato serve para demonstrar que ele transformou o Chi numa verdadeira arma, dado que dentro da história o verde é a representação do Chi maligno. Outra parte interessante de seu design são seus olhos, que também são preenchidos por uma iluminação verde. Isso representa como o personagem estava cego pela própria ganância, assim como Shen estava pelo ódio.

Como era de se esperar, a paisagem sempre é tomada por uma luz verde quando Kai está presente. Porém, um ponto que merece ser ressaltado é sua relação com o mundo dos espíritos. No início do longa, depois que Kai derrota todos os mestres do local, a dimensão está completamente tomada pela cor verde. Ao final, depois que o vilão é derrotado, o Reino dos Espíritos fica completamente amarelo, representando que o mau havia sido expurgado.
Assim como a derrota de Shen, o desfecho de Kai também é bem simbólico. Ele é derrotado justamente por sua ganância, dado que ele não suporta a imensa quantidade de Chi que absorveu de Po. Assim como os outros dois vilões, Kai se tornou uma vítima do destino e fechou com grande estilo a trilogia de Kung Fu Panda.
O que o futuro nos reserva?
A trilogia Kung Fu Panda foi fantástica. Os três filmes são carregados de lições valiosas e muito subtexto. Como pode ser visto, as produções utilizam até mesmo das cores para a elaboração de uma narrativa. Com a aproximação de um quarto filme, as expectativas são de que o nível de qualidade continue o mesmo. Porém, agora que o RGB já está completo, para onde a franquia pode ir?

Como foi mostrado em seu primeiro trailer, a vilã da vez será a Camaleoa, uma feiticeira transmórfica capaz de assumir a forma de qualquer um dos três vilões passados. A junção das três cores do RGB resulta no branco. É possível que a vilã tenha algum tipo de relação com a cor. Ainda no primeiro trailer é mostrado que em certo momento ela vai conseguir assumir a forma do panda. Seria esse um indício da conexão com a cor branca? Só o tempo dirá.
Kung Fu Panda 4 chega aos cinemas em março deste ano. Quer conferir a crítica em primeira mão? Não deixe de acompanhar o Moqueka.
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