top of page
moqueka

CRÍTICA | Uma Batalha Após a Outra é o retrato da América atual

Atualizado: 30 de set.

Rodovia do filme Uma Batalha Após a Outra editada com foto do mar

O aguardado décimo filme do renomado Paul Thomas Anderson finalmente chega às telonas e promete causar o impacto que os cinemas precisam. O alvo desta vez não poderia ser outro: os Estados Unidos. Mais precisamente, não apenas o seu governo de caráter totalitário, mas também os grupos que simbolizam o que há de pior na sociedade americana. Isto é Uma Batalha Após a Outra (2025).


Pela segunda vez, PTA adapta uma obra de Thomas Pynchon. A primeira foi Vício Inerente (2014), baseado diretamente no livro homônimo lançado em 2009. Agora, o diretor se inspira livremente em Vineland (1990). Não se trata de uma adaptação literal, mas de uma apropriação de elementos-chave da obra, como a paranoia e a relação entre pai e filha, que se tornam centrais na narrativa estrelada por Leonardo DiCaprio.


Na trama, o ex-revolucionário Bob Ferguson (DiCaprio), tenta levar uma vida tranquila cuidando da filha adolescente Willa (Chase Infiniti), distante do passado turbulento que compartilhou com o grupo French 75, do qual fazia parte ao lado de Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor), mãe da jovem. No entanto, entre crises de paranoia e longas tragadas de baseado, a vida de Bob entra em colapso quando seu antigo inimigo, o Coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn), retorna após 16 anos com um objetivo claro: sequestrar Willa.


Bob falando ao telefone
Bob falando ao telefone - Divulgação

Observando a carreira de Paul Thomas Anderson, é possível notar que a maioria de seus filmes carrega elementos de comédia, em especial o humor ácido. Ainda assim, sua filmografia pode ser dividida entre obras de forte teor humorístico, como Boogie Nights (1997), Vício Inerente (2014) e Licorice Pizza (2021), e aquelas que se inclinam de forma mais intensa para o drama, como Magnolia (1999), Sangue Negro (2007) e Trama Fantasma (2017). Uma Batalha Após a Outra surge como um equilíbrio perfeito entre essas duas vertentes.


Enquanto algumas sequências mergulham na completa insanidade — seja retratando a deterioração psicológica de Bob, seja expondo as práticas conflitantes e absurdas de Lockjaw — elas arrancam risos generosos da plateia, ao mesmo tempo, o drama que envolve a relação entre pai e filha é carregado de tensão. Nesses momentos, o desconforto é tão intenso que o espectador só pode desejar que a cena não termine de uma forma arrasadora.


Esse trunfo do cineasta é algo que vem sendo trabalhado durante toda a sua carreira e que aqui, gera um resultado sensacional: duas horas e quarenta minutos de entretenimento, sem espaço para o tédio. O filme não tem barriga, é um fluxo contínuo de acontecimentos, como se os personagens estivessem, de fato, lutando uma batalha após a outra.


Perfidia falando ao telefone
Perfidia falando ao telefone - Divulgação

Para além de comédia, drama ou suspense, a trama busca discutir uma série de assuntos atuais, que vêm sendo observadas em diversas partes do mundo, mas que, a cada dia, parecem mais naturalizadas, isto é: a crescente mundial do pensamento fascista. Enquanto a obra original de Pynchon foca nos impactos provocados pela chegada de Ronald Reagan à presidência dos Estados Unidos, PTA desloca sua crítica para a era Donald Trump. 


O filme traz campos de concentração para imigrantes, nacionalismo exacerbado e a atuação de grupos supremacistas étnicos dos quais a “pureza” de sangue é fundamental. No entanto, isso não é suficiente, já que “superioridade” tem de ser posta a prova via ações que comprovem o completo alinhamento ideológico absoluto, sem desvios, e que sempre se reafirma. Trata-se de um ciclo de reafirmação permanente, sustentado por um sentimento paradoxal de pertencimento — uma lógica que diz “não sou mais do que você, mas, no fundo, sou sim”.


Todo esse processo é visto pelas lentes do Coronel Lockjaw, que é supostamente um representante irrestrito de tudo isso, mas que, de verdade, apresenta uma série de conflitos e demônios internos que lutam para saírem, serem vividos e sentidos. Algo que é interpretado de forma única por Sean Penn. Caras e bocas, humor físico, trejeitos e figurino montam e constroem essa figura grotesca, que traduz caoticamente o que é ser um supremacista. 


Lockjaw olhando túnel
Lockjaw olhando túnel - Divulgação

Do outro lado da moeda, Bob Ferguson é o grande exemplo de “ex”. Um herói, alguém que lutava por um propósito e estava disposto a dar a vida pela revolução, até ter toda sua existência ressignificada com a chegada da filha e a formação de uma família. A frase dita pela mãe de Perfidia a Bob resume bem sua trajetória: “você parece tão perdido, o que vai fazer a respeito desse bebê?”. Algo que ele ouve lá atrás e leva consigo para sempre. 


Por mais que ele tente — e muito por meio do abuso de substâncias — esquecer tudo que já passou, mas a vida deixa reflexos de tudo que ele já fez. Ainda que a luta continue após todos esses anos, ela não possui um fim aparente, a missão é permanente. Em meio as paranoias, exageros e traumas, Bob sucumbiu a isso, se tornando um passageiro da agonia, que não tem mais as forças, ou melhor, coragem para encontrar seu caminho.


Um dos pensamentos mais inspirados do filme é da máxima de “Até onde você está disposto a ir pelo que acredita?”. Anderson constrói três perspectivas distintas dessa ideia a partir de seus personagens principais: o Eu, representado por Perfidia; o Nós, encarnado por Bob; e o Propósito, materializado em Lockjaw.


Perfidia tem clareza de objetivos, ideias e uma determinação inabalável. “Eu primeiro”, declara em um momento-chave. Suas ações confirmam essa postura: ainda que lute pela causa e seja o rosto de uma revolução destemida, há um ponto fraco, um limite pessoal que a faz colocar tudo a perder — sem, no entanto, contradizer suas próprias palavras.


Bob, por sua vez, compartilha da chama revolucionária, mas descobre outro horizonte possível. Ao abraçar a família, ressignifica sua luta, deslocando a energia ideológica para um sentido prático: garantir à filha um futuro real, menos abstrato e mais concreto.


Já Lockjaw encarna a dimensão mais radical. Vive em função de um propósito que nem ele parece compreender por completo, sustentado por uma fé cega em sua validade. O custo pouco importa: vidas podem ser sacrificadas, pessoas destruídas — inclusive ele próprio —, desde que o objetivo se cumpra.


Lockjaw segurando Willa
Lockjaw segurando Willa - Divulgação

Paul Thomas Anderson é um mago com câmera na mão, além de dirigir, também tem crédito na fotografia ao lado de Michael Bauman. As cenas de perseguição são um deleite a parte, tensão, perigo e muito impacto a cada batida, é como se o espectador estivesse dentro do carro com os personagens e sentisse a colisão, tamanha a brutalidade.


Em meio a um universo tão rico e grandioso, o cineasta faz um uso único do VistaVision, estabelecendo toda a grandiosidade que a obra necessita, montando cenas de tirar o fôlego e engradecem as imagens. Todo esse escopo resulta em uma das mais sufocantes e singulares cenas do ano, que uma rodovia se torna um mar, um mar cheio de ondas, e que não dá para ver muito mais do que está imediatamente na frente da câmera.


Para consolidar o desconforto, tensão e sentimento a flor da pele, o filme conta com mais um trabalho sem igual de Jonny Greenwood no comando da música. O guitarrista do Radiohead colabora com PTA pelo quinto longa consecutivo e segue sem entregar um mínimo trabalho medíocre, o nível de excelência é altíssimo. Desde o trailer era possível notar que a trilha sonora tinha poder, uma mescla de vilão e violino, liderados por um piano deveras afinado.


Deserto da Califórnia
Deserto da Califórnia - Divulgação

Uma Batalha Após a Outra reúne tudo que faz da carreira de Paul Thomas Anderson especial, mas também traz um frescor de novidade a partir de um tema que ressoa tanto com a atualidade. Na obra, somos contrapostos a uma máquina de guerra quase imparável, que tem recursos praticamente infinitos. Só que a força do coletivo, a dedicação de cada um fazer sua parte, compõem uma luta que não cessa.


Se, no mundo real, vemos lideranças globais articulando-se para corroer direitos humanos e reduzir pessoas à condição de sub-raça, a obra nos lembra que, assim como na ficção, a resposta está na organização e na resistência. Enquanto houver esperança, a luta nunca acaba — porque a resistência não morre.


Nota: 4,5/5



bottom of page