CRÍTICA | The Paper é ‘The Office’ com pressão controlada e jornalismo na veia
- Alan Pinheiro

- 24 de set.
- 4 min de leitura

Quando o anúncio de uma nova série de comédia no mesmo universo da aclamada The Office aconteceu, os fãs da versão americana da sitcom foram às redes sociais descrentes do que viria no novo trabalho. Com o lançamento oficial no Brasil nesta quinta-feira (25), essas mesmas pessoas vão poder deixar a desconfiança de lado e celebrar mais uma boa série de comédia para adicionar à lista. Desta vez, no entanto, com um novo cenário e novos personagens carismáticos para se apegar.
Diferente da série original, o novo show se concentra em um jornal de Ohio. Nove anos depois de deixar o escritório de papel, a equipe que produziu o “documentário” volta ao prédio original para descobrir o paradeiro da Dundler Mifflin. É dentro dessa investigação que o jornal Toledo Truth Teller entra como o novo local. Ao mesmo tempo da chegada dos responsáveis pela gravação, Ned Sampson (Domhnall Gleeson) assume o cargo de editor-chefe do veículo, mas encontra um grande desafio: chefiar uma equipe com quase nenhuma experiência com o “bom jornalismo”.
Característica principal do universo, o caos reina novamente aos “olhos” das câmeras do mockumentary. O humor do novo seriado de Ricky Gervais e Greg Daniels, que também assina a direção, passeia entre a comédia nonsense e piadas com um grau de sofisticação maior. No entanto, o protagonismo ainda é a construção de um clima “vergonha alheia”. Se Michael Scott era o catalisador de situações onde o telespectador precisava colocar a mão no rosto para seguir a cena, The Paper distribui essa tarefa pelo elenco.

Essa distribuição muda justamente a concepção sobre os personagens. Ao invés de um ou dois agentes do caos, todo mundo com uma cadeira no Toledo Truth Teller tem o potencial de protagonizar momentos de loucura, assim como tem suas personalidades trabalhadas e humanizadas, o que abre espaço para mais desenvolvimento em temporadas seguintes (ao menos uma segunda já está confirmada). Mesmo com margem para melhora, a primeira leva de episódios já tem sucesso em estabelecer os núcleos do jornal. Assim como na série original, uns possuem mais desenvolvimento e outros são deixados em segundo plano, mas todos ganham um “tempero” a mais ao longo da temporada.
Apesar de um roteiro que valoriza seu elenco principal, o principal defeito desta primeira temporada de The Paper está onde The Office também errou. Como em outras sitcoms, é necessário um envolvimento emocional do público com os personagens para permitir que eles sejam mais desenvolvidos. Desta forma, é notório que a escrita segurou personagens para ter mais conteúdo no futuro. No entanto, a decisão em certos momentos trava a dinâmica natural do elenco, principalmente na metade da temporada.
Falando sobre os personagens, os destaques ficam por conta dos dois nomes mais conhecidos do elenco. Domhnall Gleeson faz um Ned Sampson que precisa se estabelecer em um espaço que já está bem estabelecido. Metalinguisticamente, o novo chefe tem a difícil missão de ser o Michael Scott da vez. No entanto, a série sabe que é impossível emular ou ocupar o espaço deixado por Steve Carell, o que deixa o caminho livre para Ned brilhar do seu jeito.

Chefe da versão online do jornal, Esmeralda Grand (Sabrina Impacciatore) é mais caótica do que tem juízo, mas carrega um grande coração por trás de suas atitudes egoístas. Ela é quem mais se aproxima da loucura de Michael e Dwight. O mais interessante da personagem é a quebra de expectativa em torno de seu conceito. Ela, com um sotaque forte que entrega o fato de ser uma imigrante, precisa lidar com o fato de que um “estrangeiro” chegou para tomar o seu trabalho.
Quando a presença de Oscar Martinez (Oscar Nuñez) foi anunciada no elenco da nova série, era inevitável se questionar sobre os motivos pelo qual o personagem retornou. Além de servir como uma conexão direta entre o antigo escritório e o jornal, a escolha pela volta do contador não poderia ser mais certeira. Coadjuvante, Oscar é usado como um orégano. Eu não coloco orégano em tudo, mas sei que a comida pode ter um sabor a mais se eu utilizar. Dentro da nova história, o personagem se encontra com seus novos parceiros de trabalho e vai se desenvolvendo de formas que o antigo ambiente não o deixava brilhar.
Outro grande trunfo de The Paper é a sua abordagem sobre os desafios enfrentados pelos jornalistas no contexto atual. Questões como a recepção do público, o surgimento de novos polos formadores de notícias, o uso de títulos “caça cliques”, a sustentabilidade de um jornal impresso em meio a um mundo digital e os conflitos de interesse com patrocinadores são trabalhadas ao longo dos episódios.

No entanto, o que enche os olhos de quem está no cotidiano da profissão é a forma como a série se posiciona sobre essas temáticas. Assim como qualquer trabalho, o jornalista é criticado por motivos diversos e que, muitas vezes, são frutos de um desconhecimento sobre a rotina, o ambiente de trabalho e outras questões vivenciadas pelos comunicadores. Através do bom humor, a série critica quando precisa, mas não demoniza a profissão.
Evidentemente, o novo seriado vai render comparações com The Office. Aqui, há uma tentativa de redistribuição dos arquétipos. É possível reconhecer quem é o “novo Stanley” ou a “nova Pam”, mas essas características que aproximam os novos personagens daqueles já conhecidos dão lugar a uma nova variedade de personas.
The Paper não esconde ser a sucessora de The Office e abraça o tom e o legado da série original, mas não deixa de trilhar o seu próprio caminho para se diferenciar do escritório comandado por Michael Scott. Além dos novos personagens carismáticos e do habitual humor nonsense, o novo seriado também discute os desafios enfrentados pelo jornalismo nos dias atuais com responsabilidade e sem demonização.
Nota: 4/5








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