CRÍTICA | O Agente Secreto acerta e desliza, mas valoriza a memória nacional
- Alan Pinheiro

- 19 de set.
- 4 min de leitura

Quando vocês acham que as pessoas morrem? Quando elas levam um tiro de pistola bem no coração? Não. Quando são vencidas por uma doença incurável? Não. Quando bebem uma sopa de cogumelo venenoso? Não. Elas morrem quando são esquecidas.
A memória é um tema comum a todas as pessoas. Ela permeia o cotidiano de todas as formas possíveis, já que todos os ângulos do olhar tocam em fantasmas do passado. Por exemplo, os prédios ou as casas que são vistos pela janela carregam histórias de décadas de arquitetura ou estão no imaginário daqueles que viviam por perto. O cinema, como arte da lembrança, encontra em O Agente Secreto uma nova válvula de escape para relembrar a importância da memória.
Candidato do Brasil à corrida pela premiação de Melhor Filme Internacional no Oscar 2026, o longa de Kleber Mendonça Filho chegou ao cinema Glauber Rocha, em Salvador, já aclamado mundialmente com os prêmios de Melhor Ator e Melhor Direção em Cannes. A sessão de estreia do filme na capital baiana contou com uma introdução realizada pelo diretor do espaço, Cláudio Marques, que relembrou a batalha para manter o equipamento em funcionamento.

Mas qual o motivo de citar todas essas informações? Justamente para o registro dessa memória. Já ouvi dizer que a escrita é uma das invenções mais poderosas da humanidade, já que ela permitiu que a vida pudesse ser imortalizada. De certo modo, concordo com a afirmação, mas frequentemente me pego pensando sobre o passado, sobre aqueles que foram esquecidos pela história. Assim como eu, O Agente Secreto também pensa no passado.
Durante o ano de 1977, a trama acompanha Marcelo (Wagner Moura), um professor universitário que volta ao Recife para reencontrar o filho enquanto é perseguido por inimigos com profunda relação com o sistema corrupto do Brasil em um período de repressão militar. Ao mesmo tempo em que se mantém refugiado, o personagem inicia uma caçada para conseguir um documento de sua falecida mãe, mantendo-a viva em sua memória.

Este texto abre com uma passagem dita pelo personagem Dr. Hiruluk, do mangá One Piece. O monólogo conversa diretamente com a maioria das decisões criativas tomadas no filme brasileiro. A memória é um tema já presente em outras obras de Kleber Mendonça, como em Bacurau (2019), Som ao Redor (2013) e, principalmente, Retratos Fantasmas (2024). Em seu mais novo longa, o diretor explora a ditadura sob um novo ângulo.
O título do filme engana da mesma forma que os rumos da história. A direção sabe como conduzir os momentos de tensão que são habituais nos “filmes de agentes secretos”. A construção de um clima de thriller político nem pede licença e já toma conta desde a primeira cena. O telespectador sabe que existe algo errado e a qualquer momento uma bomba poderia estourar. Assim como um regente, Kleber Mendonça sabe quando acionar as ferramentas certas para manter a sintonia da orquestra. No entanto, mesmo com um saldo positivo, o filme não escapa de deslizes que quebram a narrativa e a imersão.
Além dos momentos no passado, o filme intercala a narrativa com passagens nos dias atuais. Quando isso acontece, o ritmo se quebra completamente. No entanto, o pior está na finalidade de tais quebras. Em uma delas, por exemplo, a função é somente inferir que as pessoas presentes na sala de cinema são burras e explicar o que acabou de acontecer.

O ritmo, inclusive, demora a engrenar. O primeiro ato é arrastado e é possível sentir as quase três horas na cadeira. Sobre os personagens, há uma decisão clara em aprofundar aqueles que estão de um lado e transformar os antagonistas em caricaturas. Enquanto coadjuvantes compõem a temática trabalhada com histórias complexas, quem está do outro lado são apenas arquétipos rasos. Deles, nomes não são necessários, já que são estereótipos ambulantes de suas funções. O assassino é o assassino e o mafioso é o mafioso.
Em contrapartida, o protagonista se destaca completamente. Wagner Moura precisa interpretar três personagens ao longo do filme. E o faz de forma mais que satisfatória. Seu personagem precisa vestir máscaras para transitar entre os locais. Porém, dentro dessa persona existe um homem marcado por cicatrizes e que não pode fraquejar. O ator consegue transitar perfeitamente na complexidade do homem. Aliada ao baiano, outra que rouba a cena é a atriz Tânia Maria, principalmente nos momentos de comédia.
A construção dos espaços, de longe, é a mais valência de O Agente Secreto. A cidade do Recife nos anos 1970 tem uma personalidade única. Ela é viva e permite que a atmosfera do discurso seja potencializada pelos espaços, seja em cenas de perseguição ou somente na composição do cenário. O Recife também revisita lendas urbanas que se personificam em face de uma alegoria à violência frente aos “subversivos”.

Tudo, e principalmente a sequência final, se concentra em valorizar a memória. Permitir que a cidade, sua cultura e a história se mantenham vivos. Assim como em outros filmes, a vontade de jogar problemas crônicos do Brasil aos holofotes é um desejo do diretor. No momento em que vivemos, o longa pode até ser considerado como um “filme necessário”, mas eu particularmente não gosto do termo.
Apesar de articular temas importantes, há uma vontade muito maior de abordar essas diferentes realidades do que, de fato, a capacidade de usar o cinema como uma ferramenta de revolução. O “filme necessário” tem muitas valências, até mais do que problemas, mas quer falar de tantas coisas e com tantas decisões superficiais que acaba perdendo sua força. Às vezes falando de menos, você consegue falar de mais.
O Agente Secreto é um filme com uma mensagem forte sobre a história do Brasil e uma abordagem diferente do usual para um período já conhecido e abordado no cinema nacional. Além disso, encontra em seu protagonista um potencializador da experiência, mas perde sua força ao aglutinar ideias que escapam no todo.
Nota: 3,5/5








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