top of page
moqueka

CRÍTICA | “Eu, Capitão” troca reflexão por impacto visual

Atualizado: 8 de jun. de 2024


Eu, Capitão

O representante italiano no Oscar de 2023, "Eu, Capitão", dirigido pelo romano Matteo Garrone (Dogman, Gomorra), segue a cativante jornada de dois jovens senegaleses em sua migração para a Europa. No entanto, apesar de tocar em temas pertinentes, o filme tende a simplificar a complexidade da crise migratória contemporânea.


Aclamado com o Leão de Prata de Melhor Direção, o troféu Marcello Mastroianni de Ator Revelação (para Seydou Sarr) e mais 10 prêmios de júris paralelos no Festival Internacional de Cinema de Veneza, a obra é a concorrente da Itália para o Oscar de Melhor Filme Internacional, prêmio que o país não conquista desde 2014.


A história segue os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), que, após meses trabalhando escondidos, conseguem dinheiro para partir de Dakar, no Senegal, rumo à Itália, onde aspiram uma carreira musical e ajudar os seus parentes. Sem comunicar as suas famílias, os dois garotos saem nessa odisseia contemporânea, enfrentando uma série de obstáculos, desde atravessar desertos até condições análogas à escravidão, ilustrando as dificuldades enfrentadas por milhares de imigrantes ilegais.


Eu, Capitão
Divulgação/ Greta De Lazzaris

O roteiro segue essa lógica de aventura, por vezes trágica por vezes heróica, onde vão ser apresentados diversos infortúnios e a superação de cada um deles enquanto tentam chegar a seu objetivo final. Contudo, apesar da enorme quantidade de empecilhos, alguns eventos não são habilmente costurados narrativamente, resultando por vezes em resoluções simplórias, algo que fica bastante evidente na forma como a produção trabalhou o relevante tópico do tráfico de humanos. Tendo que apelar para conveniências a fim de seguir sua trama, o longa se apoia em outros aspectos para tentar se sustentar.


Um dos atributos que o filme se apoia fortemente é na intensidade emocional que os atores conseguem transmitir em suas performances, principalmente no estreante Seydou Sarr, já que tudo é contado a partir da perspectiva de seu personagem. O protagonista, muito bem interpretado, é notável em sua transformação ao longo do enredo, passando de um estado inicial de encantamento com a ideia de chegar à Itália para enfrentar gradualmente a crescente angústia que floresce nessa trajetória.


Eu, Capitão
Divulgação/ Greta De Lazzaris

A direção de Matteo Garrone apresenta alguns momentos impactantes, especialmente quando recorre ao lúdico como forma de escape para o sofrimento dos personagens. Essas sequências, nas quais o realismo cede espaço à imaginação, proporcionam uma abordagem mais poética que engrandece o longa e o tira da mesmice.


A perspectiva artística do diretor é amparada pelo trabalho fotográfico de Paulo Carnera ("O Tigre Branco"). A partir das paisagens desérticas, ele explora os tons terrosos em momentos realistas, brinca com a luz para criar momentos lúdicos e propõe uma imagem mais crua e direta em momentos brutais.


Eu, Capitão
Divulgação/ Greta De Lazzaris

Em contraste a esses momentos fantasiosos, "Eu, Capitão" não hesita em retratar a violência e o abuso sofridos pelos personagens de forma frontal, destacando a aflição e a adversidade enfrentadas pelos imigrantes. No entanto, ao não conseguir ir além do choque visual, o filme falha em promover uma reflexão mais profunda sobre a sua tônica, limitando-se a chocar o espectador sem conduzi-lo a uma verdadeira conscientização.


Essa é uma grande falha no projeto de Matteo Garrone: a falta de profundidade em sua abordagem temática e política. Por mais que uma contextualização não seja obrigatória, especialmente em um trabalho ficcional e não documental, sua ausência acaba por empobrecer a experiência cinematográfica. Ao negligenciar contexto, agentes e processos político-sociais da migração ilegal, o filme acaba por tornar-se superficial em sua sensibilização para a problemática. No final das contas, torna-se apenas um relato cheio de comodidade sobre a busca de jovens senegaleses pelo paraíso na terra italiana.


Ao concentrar-se exclusivamente na dificuldade da jornada dos protagonistas, o filme consegue comover e perturbar o espectador em certos momentos, mas confortavelmente se ausenta de estabelecer questões mais desafiadoras sobre o tema como por exemplo a conjuntura europeia em relação aos imigrantes. Ao passo que a obra se limita, torna-se inócua; ao se tornar inócua, torna-se esquecível.


Nota: 2/5




Comments


bottom of page