CRÍTICA | EL CONDE poderia ser mais, mas não é
- Alan Pinheiro
- 1 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Um regime marcado por constantes violações de direitos humanos, com mais de três mil pessoas assassinadas, 80.000 presos e outras 30.000 pessoas torturadas. Esse foi o saldo final da ditadura chilena de Augusto Pinochet, que encontrou nas mãos de Pablo Larraín, a sátira chamada de ‘El Conde’.
Na trama, o temido ditador chileno é retratado como um vampiro de 250 anos que fingiu a própria morte e encontra-se isolado em um casarão no Chile. Sentindo-se cansado e com vontade de conhecer o gosto da morte, após passar décadas saboreando o sangue de inocentes na Europa e na América Latina, Pinochet recebe a visita de todos os cinco filhos para decidir sobre a herança.
Em meio aos 110 minutos de filme, juntam-se à história uma freira, cuja fé forma uma amálgama com um senso de moral maquiavélico, um mordomo russo com lealdade questionável, uma esposa insatisfeita com as promessas do marido e uma mãe, com título de ferro, mas com coração de latão.

Importante destacar que o material de divulgação do filme não esconde em momento algum que a película é uma sátira, um modo de reorganizar a história sob a ótica do humor. Corroborando com a proposta, todos os personagens são apresentados, ou cumprem um papel na narrativa, de modo caricato. A decisão de transformar um homem manchado com o sangue chileno em uma figura vampiresca e dotada de morbidez é só a ponta do iceberg, mas o que poderia se tornar uma obra prima se esbarra na própria limitação moral. Como rir de um monstro fictício quando se sabe que a história por trás do conde cheira à crueldade?
Apesar de ser um aspecto aberto à discussão, não me oponho a representações de figuras históricas controversas na tela do cinema. É até necessário. Da cadeira ao sofá, o público merece ser confrontado por personas e histórias que trazem questionamentos. No entanto, em El Conde, há uma clara indecisão de Pablo Larraín sobre qual experiência deveria transmitir.
Nesse cenário, o filme acaba se dividindo em dois. No primeiro curso da trama, Larraín apresenta uma ficção sobre um ditador chileno sendo representado como uma besta sedenta por sangue e batalhas. Paralelamente, há uma tentativa de falso documentário sobre os escândalos durante o governo de Pinochet.

O problema, no entanto, não está nas diferentes representações, mas na clara divisão entre as abordagens. Enquanto o envolvimento do público é conduzido por um caminho, essa passagem é bruscamente bloqueada para que se explore a outra possibilidade, que muito provavelmente, vai ser entediante para quem não tem bagagem cultural sobre as polêmicas que rodearam a figura do ditador.
Dito isso, a primeira opção parecia mais palpável para o público geral. A segunda dificilmente será digerida da mesma forma sem conhecimentos prévios sobre o envolvimento da família Pinochet com tráfico de drogas na América Latina e os horrores causados pelo militar dentro da ditadura.
Agora, não se pode negar a justiça dentro desse fato. Essa é uma história do Chile, realizada por chilenos e para chilenos. Não fazemos parte desse capítulo. De fato, os brasileiros conhecem muito bem as mazelas de um regime ditatorial, mas cada caso é um caso. E Larraín usa de sua liberdade criativa para rechear sua obra com críticas e provocações análogas a uma piada interna entre amigos.
Infelizmente, as inserções políticas dentro da trama aparecem como as piadas excessivas dos filmes da Marvel. Elas mais prejudicam a experiência, do que acertam no objetivo da proposta. Chega a ser pedante a sequência de piadas, que mais parecem uma tentativa de marcar no bingo de críticas, a partir de uma leitura feita na Wikipédia.

A fotografia de Edward Lachman, de fato, não deixa a desejar em nenhum aspecto. Com inspiração em clássicos do expressionismo alemão - como Nosferatu (1922) - o preto e branco é provocativo em tela. Ele tanto destaca quanto esconde, de acordo com o pedido pelo texto. Os planos também se destacam da mesma forma, já que enquadram os personagens de modo a explicitar o subjetivo direto para a tela.
A indicação do filme para a categoria de Melhor Fotografia é justificada pelo sucesso em unir uma narrativa de teor cômico a uma estética de terror gótico, valorizando o sombrio, mas sem esquecer de ser brilhante. No processo de produção, Lachman procurou as lentes que Orson Welles usou em filmes em preto e branco dos anos 40, para que ele e Larraín pudessem filmar em escala de cinza, em vez de converter imagens coloridas na pós-produção, tudo em prol da experiência visual.
El Conde definitivamente tinha potencial para ser mais, mas não consegue alcançar esse patamar e nem tem a intenção de subir este degrau. No entanto, dentro da produção, uma bela fotografia repleta de referências é o único fator que se sobressai em meio a confusas decisões de um diretor que patina entre mostrar e contar.
Nota: 2/5 🧛
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