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CRÍTICA | A Filha do Palhaço (2024) é uma palhaçada travestida de melodrama



Sangue é sangue, família é uma escolha. Relações familiares sempre são complicadas, independente de qual contexto ela seja desenvolvida. Tópicos como reciprocidade, responsabilidade e respeito são apenas alguns dos degraus que precisam ser alcançados para o desenvolvimento de uma relação saudável entre filhos e pais. E justamente pela dificuldade dessa missão, o cinema usa e abusa desse cenário para construir histórias.


E dentre essas tramas que são desenvolvidas, a mais recorrente é a do pai que passa vários anos afastado de seu filho ou filha e depois precisa se reconectar com a criança. Por ser um enredo com grande potencial dramático, esse tipo de roteiro costuma sempre render grandes produções. Entretanto, por conta de seu uso repetitivo, alguns diretores vem tentando “incrementar” esse setup para tentar fugir da mesmice.



O maior exemplo recente é o longa A Baleia, do diretor Darren Aronofsky, que além da relação pai e filha, também trabalha questões como obesidade e desenvolve a descoberta da sexualidade da figura do pai. Pensando nisso, A Filha do Palhaço é um longa nacional que tenta repetir esse sucesso, porém com uma diferença: além de abordar a reação da filha à nova sexualidade do pai, ela também precisa lidar com o fato dele ser um palhaço.


E não é qualquer palhaço. Assim como o saudoso Paulo Gustavo, Renato (Demick Lopes) se veste como mulher durante seus shows, o que rende uma estranha surpresa para sua filha e também problemas relacionados à homofobia. O longa é um character-driven, ou seja, um enredo que se baseia nos seus personagens e não nos acontecimentos que os rodeiam. Por conta disso, o principal elemento da trama é a relação entre o palhaço e sua filha.

O Palhaço

Como já começamos por ele, nada mais justo do que continuar falando sobre Renato. Depois de aparentemente passar a vida inteira sem contato com a filha, o personagem é surpreendido com a chegada dela em sua vida para passar alguns dias. Embora a mãe da menina o odeie e não tenha entrado em contato com ele, o pai do ano nem desconfia o porquê dessa decisão repentina de fazer uma reconexão entre ele e Joana.



No passado, Renato era um jovem ator que acabou tendo um relacionamento com Cristina, com quem teve uma filha. Não se sabe ao certo quando, mas ele abriu mão de sua carreira como ator para ganhar a vida com a comédia, porque era uma área na qual ele conseguia renda. Apesar dessa relação com a atuação ser mencionada diversas vezes, o filme nunca leva isso para frente.


É difícil criar empatia pelo personagem por ele ser um agente passivo em tudo que lhe rodeia. Nesse tipo de história, é comum esperar que o arco do personagem seja construir uma relação com a filha e retomar um sonho que havia abandonado. Porém, o longa simplesmente ignora a última parte e se encerra com Renato ainda fazendo humor — algo que ele só optou fazer por conta do dinheiro.



Quando Joana começa a fazer parte de seu cotidiano, o pai permite que a garota faça tudo que lhe tenha vontade, nunca questionando. Em vez de transparecer a imagem de alguém que esteja querendo ser legal com a filha, Renato parece apenas uma pessoa desesperada em agradar, mesmo que isso signifique permitir que sua filha consuma álcool, piche a casa dos outros por motivos fúteis ou qualquer outra coisa que ela tenha vontade.


O único momento em que ele se torna alguém ativo é algo tão inesperado que acaba sendo artificial e sem sentido. Além disso, o momento é seguido de um pedido de desculpas, mostrando que o personagem é submisso não só para as vontades da filha mas também para tudo que lhe cerca. No fim do longa, quando ele reencontra Cristina depois de anos, era esperado que ele finalmente conseguisse crescer como personagem.


Era esperado porque não aconteceu. Renato continua com a mesma expressão de cachorro que caiu do caminhão da mudança que sustenta durante toda a obra. O personagem não consegue se impor nem para explicar os motivos pelos quais Joana era importante para ele. Em determinado momento, Joana conta que sua mãe considera Renato um covarde e no fim da história ele faz jus a essa opinião.



Ele também cai no estereótipo de que todo homem que faz personagens femininos é necessariamente gay. O que não seria necessariamente um problema, caso essa dinâmica fosse trabalhada de uma forma tão boa quanto em A Baleia. Os relacionamentos que Renato desenvolve com outros homens parecem ser jogados na trama e acabam não fazendo muita diferença — o que é uma pena, já que a relação dele com o luto por seu ex poderia ser muito bem explorada.

A Filha

Se era difícil se relacionar com a figura de Renato, com a personagem de Joana é pior ainda. Começando pela atriz, Lis Sutter está estreando na carreira de atuação com este papel e não poderíamos esperar grandes performances. A atriz mostra dificuldade em demonstrar uma reação que não seja ficar com cara de tacho, o que acaba gerando uma personagem inexpressiva e pouco carismática.



Além do drama envolvendo o pai, o único arco que a personagem tem é o com seu antigo crush. Apesar de parecer bobinho, é algo comum na vida dos jovens transformar essas questões em grandes problemas, porém, esse garoto é jogado do completo nada na trama. Em um momento ele não existe e no outro ele é a grande paixão que Joana deve deixar para trás por conta da futura mudança que irá fazer.


Como se não bastasse, a reação de Joana é simplesmente sem sentido. Ela não quis namorar com o garoto por causa da viagem que ela vai fazer, mas fica revoltada por ele aparecer ficando com outra garota. Ela não quer ficar com o garoto e também não quer que ele fique com mais ninguém. Que porcaria de vida ele precisa ter para ela ficar feliz? E sim, toda essa situação é tão fútil quanto possa parecer.



Como se não bastasse, num momento de revolta completa e com o apoio de seu querido pai, ela picha a casa do garoto como uma forma de vingança por ele ter seguido com a própria vida. Bom, pelo menos não podemos dizer que ela não tem atitude igual Renato. Além disso, a trilha sonora dessa cena é muito boa, o que torna ela um pouco menos terrível. Fora esse “incidente”, a personagem não sofre nenhum outro arco durante a história.


Um aspecto que deve ser elogiado aqui é a equipe de figurino. A personagem usa camisa do Studio Ghibli, papel de parede de anime no celular e tudo isso sem parecer uma caricatura forçada para a produção se dizer jovem — tal qual os otakus que aparecem nas novelas da Globo. Entretanto, a impressão que dá é que isso não foi proposital, mas apenas as roupas e celular da própria atriz.



De toda forma, isso deu um traço a mais de personalidade para Joana — o que é ótimo, já que ela não tem muita. O outro momento em que o roteiro arrisca desenvolver algum hobby para personagem é durante seu momento na praia, mas logo é completamente esquecido. No fim, a personagem de Joana parece ser reduzida a uma menina que cresceu sem pai e apenas isso.

E todo o resto

Como um filme que se baseia na relação de dois personagens, era esperado que outros núcleos e personagens não ganhassem tanto destaque. Porém, toda vez que alguém é introduzido na história acaba por ser esquecido ou simplesmente não desenvolvido. Um exemplo disso é a nova “amiga” que Joana estava fazendo, amiga entre aspas porque o filme nem se dá ao trabalho de trazê-la de volta depois desta cena.



Outro momento que é parecido com esse é o reencontro com Cristina. A personagem é dita com alguém que há anos cultiva um ódio imenso por Renato. Porém, de repente, decide deixar isso de lado para satisfazer a vontade da filha. Não que isso não seja a coisa certa a se fazer, mas do modo como é feito parece súbito até demais, de forma que não parece ser a mesma personagem de 10 minutos atrás.


E dentre esse mar de personagens jogados, surge o novo interesse amoroso de Renato, o jovem ator Marlon. Diferente dos últimos dois exemplos, esse aqui desenvolve um papel ativo na história e consegue um feito único nesse filme: ter carisma. Apesar de sua função ser apenas “ser o novo namorado do pai”, Marlon consegue cativar mais do que todo o resto do elenco.



No fim, o longa parece ser um compilado de cenas do cotidiano mostrando a vida de Renato e Joana. A relação deles é completamente sem sal e o desenvolvimento beira o artificial. Mesmo sendo lotado de temáticas interessantes, o filme mal aborda elas — tendo apenas um momento que é demonstrado a homofobia que Renato precisa enfrentar e a cena acaba com uma resolução completamente anticlimática.


A Filha do Palhaço é um amontoado de boas ideias que não são bem construídas. Apostar num drama familiar que aborda questões como homofobia, sexualidade e ausência paterna era uma ótima escolha e com muito potencial, mas o filme opta por fazer algo bobinho e que não passa a profundidade necessária para esses tópicos. É como diz o ditado: de boas intenções o inferno também está cheio.


Nota: 2/5




1 Comment


Alencar
Jan 02

Cara, na boa... essa foi a pior crítica de filme que eu já li em toda a minha vida. E olha que eu já li muitas... Um conselho: considere seriamente fazer outra coisa da sua vida.

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