Buffalo ’66: Quantos Rostos a Violência tem?
- Cristhian Lavigne (Convidado)
- há 3 dias
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Atualizado: há 2 dias

Em Buffalo ’66, presenciamos, na pele de Billy Brown (Vincent Gallo), como a violência pode impactar um indivíduo. Finalmente livre do tempo em que esteve preso, desamparado, ele se recorda da dor que passou no presídio enquanto esperava o ônibus para voltar à cidade. Nesse momento, somos apresentados ao primeiro rosto da violência no filme. As memórias se sobrepõem assim que a música intensifica o sentimento de solidão. O isolamento é presente nos retratos de dor e, no centro da tela, encaramos uma recordação do personagem em lágrimas.
Logo em seguida, o acompanhamos na busca por um banheiro e como, gradativamente, sua paciência se esvai ao descobrir que todos que lhe indicaram estavam fechados. Ao entrar em um estúdio de dança, momentaneamente o foco se distancia dele e se direciona para Layla (Christina Ricci), seguindo os passos da aula. Então, voltamos a acompanhar Billy. No banheiro encontramos o abuso e o preconceito: o personagem agride o rapaz que o assediava ao usar o mictório e profere ofensas à sexualidade do mesmo. Sua raiva escala ao ponto de impedir que ele use o banheiro.
Então, nos é entregue a primeira interação entre a delicadeza de Layla e a raiva de Billy, distinção essa que, para além da natureza dos personagens, se expressa também na aparência e na forma de se vestir. Billy tem olhos fundos, cabelos castanhos, utiliza tecidos pesados, escuros e gastos, diferente de Layla que, por sua vez, é jovial, cabelos loiros, utiliza cores claras e tecidos leves.

A cena prossegue com o personagem principal pedindo uma moeda emprestada para Layla, à qual ele sequer agradece e responde com um tom arrogante. Grosseria essa que não se restringe somente a ela: Billy grita e mente para sua mãe em ligação. Assim, descobrimos que seus pais não sabiam que ele estava preso e acreditam que ele está casado.
Billy reencontra Layla saindo do banheiro e então decide a sequestrar para apresentá-la como sua esposa. Mais uma vez, o roteiro nos mostra as diferenças entre ambos os personagens. O semblante calmo e paciente da moça se perpetua mesmo diante das ofensas que ele a desfere e, mesmo após se desculpar por ter sido grosseiro, instantes depois ele retorna com as ameaças.

Billy Brown
Aos poucos, descobrimos mais sobre o passado de Billy, sua relação conturbada com os pais e sua constante necessidade de agradá-los, ele chora ao se aproximar da sua casa e somente a ideia de reencontrá-los após tanto tempo o faz querer vomitar. A recepção é desconfortável: o senhor Brown (Ben Gazzara) o encara e chama a sua esposa (Anjelica Huston) dizendo que o filho dela estava na porta.

Nas cenas que se sucedem, compreendemos como a negligência dos seus pais produziu um isolamento no seu próprio lar: pouca importância com os cuidados do filho, ausência de registros de sua infância e até a morte do seu animal de estimação pelo próprio pai. Todos se ausentam da mesa da cozinha em que estavam, Billy chora ao encarar a foto com seu falecido cachorro.
A câmera ocupa um lugar na mesa de jantar, estática, enquanto presenciamos uma briga entre Billy e seus pais. Na sequência, encaramos um diálogo tranquilo entre seus pais e Layla. Enquanto Layla sustenta a mentira de Billy, seus pais simplesmente ignoram e pouco se importam com o assunto, mais interessados no jogo do time de futebol americano, Buffalo, o qual não ganham um jogo desde o nascimento de Billy. A violência que cresce com a raiva do protagonista apresenta mais duas faces: pai e mãe, rejeição e abandono.
Trinta anos e eu não perdi um jogo, eles não ganham um campeonato desde 1966. Eu perdi aquele jogo, porque nesse dia eu tive o Billy. Oh, quem dera eu nunca o tivesse. Eu não teria perdido aquele jogo
Após apostar 10.000 mil dólares no Buffalo para ganhar o Super Bowl, Billy perde e, para evitar que seus pais sejam mortos pelo agenciador (Mickey Rourke), negocia sua dívida com a liberdade, assumindo a culpa por um crime que ele não cometeu.
Então, seu propósito fica mais claro: vingança.
Em um flashback, Billy promete para seu amigo que, quando sair da prisão, vai matar Scott Wood (Bob Wahl) - o culpado pela derrota do seu time - e, em seguida, se matar também, pois não quer voltar para a cadeia.
Billy e Layla

Aqui, a obra assume um caráter mais cômico-romântico ao desenvolver melhor a relação dos dois personagens: a calmaria que precede a tempestade. O “casal” joga boliche, Layla dança, assim como na cena da aula no estúdio, e Billy realiza mais uma ligação, dessa vez para boate de strip do ex-jogador que deseja matar, reafirmando para si que vai matá-lo. Entretanto, seu desejo de vingança soa turvo, indeciso.
Billy decide tirar fotos em uma cabine com Layla para enviar aos seus pais todo natal. Em uma curta discussão, evidencia-se o problema do protagonista com toque físico, provavelmente devido a uma ausência de afeto em sua infância. Ainda que agora esteja mais próxima dele, ela não sabe do seu plano de vingança.
O figurino descreve uma mudança em ambos os protagonistas - Billy retira sua jaqueta e deixa Layla a usando - , na mesma medida que ela se aproxima de Billy, conseguindo atravessar parte das suas defesas pessoais. Ela também se torna ligeiramente parecida com ele, como expresso em um diálogo entre os dois, marcado pelo primeiro xingamento que Layla diz no filme.
Essa mudança não se restringe somente ao comportamento dela, mas se aplica também ao comportamento dele, uma vez que, logo após discutirem, Billy procura um banheiro para poder chorar desesperadamente.
Ambos alugam um quarto para passarem a noite. Após desabafar com Layla sobre parte da sua infância - especificamente sobre uma decepção amorosa -, passam parte da noite juntos e Billy finalmente se permite ser próximo fisicamente de Layla. A madrugada chega e, com ela, o fim do sono do protagonista. Desperto para realizar seu plano, Layla o questiona aonde vai e Billy mente mais uma vez.
Eu só estou com esse sentimento de que você não vai voltar.
Um abraço e um “Eu te amo” vindo de Layla marcam a despedida dos dois. Vingança e Redenção
Billy finalmente personifica a violência no que seria o ápice da sua vida desde que foi preso. O protagonista se dirige até a boate de strip, carregando consigo a raiva acumulada de toda uma vida, sua jaqueta e uma pistola. Antes de entrar, Billy usa o telefone na porta para se despedir de seu amigo.
Assim como nos primeiros momentos da obra, a música tem um papel fundamental ao acrescentar tensão. Billy adentra a boate e dispara contra Scott Woods: um único tiro, no meio da testa. Em seguida, atira na própria cabeça, finalizando sua tão planejada vingança. A cena corta e vemos os pais de Billy visitando seu túmulo, enquanto acompanham uma partida do Buffalo e reclamam sobre a fome e o frio. Até na morte, o filho possui pouca importância para eles.

Encaramos novamente o corpo morto de Billy no chão, só pra descobrirmos que toda vingança foi apenas na sua imaginação. Ao encarar o ex-jogador, ele reconhece como aquele ciclo de dor e ódio, iniciado pela negligência e pelo isolamento, só levaria sua vida ao fim e nada mais.
Billy se redime, ligando novamente para seu amigo e percebendo que o erro de Scott não deveria resumir a sua vida, nem a sua infância, nem toda a raiva que ele guardou.
Decidido a recomeçar, Billy abdica de toda violência e compra o chocolate quente que havia prometido para Layla, assim, vemos uma última vez Layla e Billy abraçados, juntos.
Um final feliz para o pequeno Billy Brown...
“She brings the sunshine to a rainy afternoon…”
-Yes

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