CRÍTICA | Tipos de Gentileza é um suco de limão gelado no verão de 10ºC
- Victor Lee
- 22 de ago. de 2024
- 5 min de leitura

Obrigado, Thank you, Cràcies, Merci, Arigato. Ser gentil é uma qualidade desejada por todos, definida como uma forma de atenção e cuidado que torna os relacionamentos mais humanos, ou seja, com menos rispidez. Mas até que ponto em nossas vidas deixamos de ser gentis com as pessoas? Você se considera uma pessoa gentil? O que exatamente são esses tipos de gentileza? Essas perguntas podem nos deixar confusos e gerar diversas ideias e respostas ao longo de nossas reflexões. Mas o que isso significa para Yorgos?
É a partir desse ponto de reflexão que o novo longa "Kinds of Kindness" (Tipos de Gentileza), dirigido pelo cineasta Yorgos Lanthimos, chega após o sucesso de "Poor Things", prometendo impressionar tanto os críticos quanto os amantes da sétima arte. Nesta nova história, o excêntrico Yorgos nos apresenta três tramas entrelaçadas que exploram os caminhos imprevisíveis da vida e os desafios pessoais de seus protagonistas. À medida que essas histórias se desenrolam, "Tipos de Gentileza" revela como gestos de compaixão e entendimento podem ser tão transformadores quanto complexos nas vidas de quem os oferece e de quem os recebe.
O filme conta com um elenco de peso para explorar e dar vida ao roteiro, escrito por Efthymis Filippou e pelo próprio Yorgos Lanthimos. A dupla já trabalhou junta em outras produções, como "Kynodontas" (2009), "Alpes" (2012) e "The Lobster" (2015). No entanto, o grande trunfo desta nova obra é o retorno de Emma Stone e Willem Dafoe, que elevam a trama com suas atuações intensas, ao lado de Jesse Plemons, que também se destaca. O elenco é complementado por Margaret Qualley, Hong Chau, Mamoudou Athie e Joe Alwyn, que juntos contribuem para a riqueza e profundidade da narrativa.
Com licença
No primeiro ato do filme, acompanhamos o personagem de Jesse Plemons, um profissional extremamente dedicado que segue todas as regras de seu chefe, interpretado por Willem Dafoe, à risca. Ele obedece fielmente às ordens do patrão, desde o horário em que o despertador deve tocar até o momento em que tem relações sexuais com sua esposa.

Lanthimos adota uma abordagem mais filosófica ao explorar até que ponto a gentileza pode se tornar um ciclo vicioso e como a dependência de uma pessoa pode transformá-la em alvo de manipulação total. Raymond (Dafoe) é a personificação do que podemos entender como "o poder do homem sobre o homem", ou seja, "o poder representa a capacidade que as pessoas têm de influenciar as outras e alterar seu comportamento".
Um aspecto marcante na primeira parte do filme é o que pode ser chamado de Ações Sociais Irracionais. A primeira categoria é o ato afetivo, motivado por emoções despertadas nos agentes envolvidos. Relacionando isso com o longa, identificamos o chefe que constantemente presenteia seus funcionários, incentivando-os a fazer tudo por ele. A segunda categoria é composta por ações tradicionais, que são motivadas por hábitos e costumes tradicionalmente estabelecidos na conduta dos indivíduos. Quanto mais manipulada a pessoa, mais fácil se torna controlá-la e fazê-la seguir os comandos.
Em termos técnicos, dois elementos que se destacam em todos os atos são a sonoplastia e a direção de fotografia, realizadas por Robbie Ryan. Ele dispensa comentários em suas utilizações dos enquadramentos de primeiro plano, aproximando os espectadores dos personagens, além de brincar com a manipulação das cores.
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No segundo ato, acompanhamos Plemons interpretando um policial desiludido após o desaparecimento de sua esposa em alto-mar. Quando ela é encontrada e volta para casa, no entanto, nem tudo é como parecia ser. Curiosamente, ele acredita que sua verdadeira esposa foi substituída por uma impostora, algo que remete a teorias da conspiração — lembrando a famosa teoria sobre Avril Lavigne ter sido substituída.
A partir daí, a linha entre loucura e realidade começa a se misturar, com o diretor instigando o público a questionar se devem ou não acreditar na perspectiva do personagem. Ele começa a exigir provas de amor cada vez mais brutais de sua possível amada, aumentando o suspense e a tensão.
Durante toda a segunda parte, me perguntei se estava ficando maluco ao tentar encontrar uma conexão entre o que via na tela e meus próprios pensamentos. O roteiro é habilidoso em intensificar essa sensação, deixando pistas ao longo do caminho, enquanto a atuação de Plemons rouba a cena mais uma vez, quase como um êxtase que eleva a euforia e o prazer de explorar tanta loucura. Não posso deixar de mencionar Emma, que sempre entrega performances marcantes. Aqui, ela encarna perfeitamente a prática do amor cego, ou amor sem limites, onde sua personagem, Liz, vê seu marido como alguém sem defeitos, a quem admira profundamente, a ponto de não conseguir enxergar a realidade de quem ele realmente é.
Velozes e Religiosos
Por fim, na última parte dessas estranhas histórias de bondade, conhecemos Emily, uma mulher determinada a se tornar uma líder espiritual. Ela embarca em uma busca por uma pessoa dotada de habilidades únicas, numa jornada que colocará à prova sua própria fé e convicções. Emily tenta a todo custo ser aceita e seguir os valores religiosos de uma seita controversa e satirizada pelo diretor, que explora os ideais ditados por Omi (Dafoe) e Aka (Hong Chau).

Essa terceira história desempenha um papel dedutivo e busca, de alguma forma, conectar os diferentes universos apresentados ao longo das três horas de filme. A busca pela pessoa dotada acaba afetando profundamente Emily e seu colega de trabalho Andrew, que constantemente tenta amenizar o sofrimento de Emily. Outro ponto importante na trama é o relacionamento de Emily com seu ex-marido, retratado de forma intensa por Yorgos, ao explorar as questões de abuso físico e mental que ela enfrentou
Pobres Cinéfilos
No geral, entender os filmes de Lanthimos é uma habilidade rara, quase digna de um ninja. De fato, suas obras são bastante nichadas, destinadas principalmente aos fãs que apreciam sua capacidade de nos deixar com questionamentos profundos sobre a vida após cada sessão. Em "Tipos de Gentileza", ele cria uma atmosfera que nos faz sentir como se estivéssemos em um jogo de "mestre dos magos", onde ele nos entrega tudo e nada ao mesmo tempo, como se dissesse: "Agora, está nas mãos de vocês". Com isso, os finais abertos geram mais perguntas do que respostas, deixando-nos a pensar. Espero que esta crítica ajude de alguma forma a desenvolver seu entendimento sobre o filme.

Um ponto de extrema excelência é o humor inteligente e as bizarrices presentes no filme, que lembram o estilo de "Rick and Morty" ou de outras obras de Lanthimos, como "Dente Canino". O filme também utiliza técnicas de câmera e visuais aparentemente simples, mas que ganham uma complexidade única no desfecho das três partes. A sonoplastia, por sua vez, nos deixa angustiados e ansiosos, se entrelaçando perfeitamente com cada cena.
Algo que sempre provoca desconforto nas obras de Lanthimos é a maneira como ele insere cenas constrangedoras de forma rápida: sexo, nudez, e atos fora do comum são parte da IDENTIDADE do diretor, e isso nunca vai mudar.

Por fim, "Kinds of Kindness" é um misto de sensações que certamente vai dividir o público. No entanto, é uma excelente jogada de Yorgos Lanthimos na indústria cinematográfica. Mesmo lembrando outras obras do diretor, ele consegue criar algo que atrairá os fãs de filmes excêntricos, que nos fazem refletir profundamente. Dessa forma, "Tipos de Gentileza" é como um suco de limão gelado em um verão de 10ºC: inesperado, agridoce, e te deixa pensando se estava preparado para a experiência.
Nota: 4/5 🎾🩸👍🏻
Gostei muito da critica!