CRÍTICA | Pobres Criaturas é o monstro de Yorgos Lanthimos
- Vinícius Nocera
- 1 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Yorgos Lanthimos é conhecido por ser um diretor estranho. Não apenas as tramas de seus filmes são bem diferentes, como a estética adotada pela direção geralmente leva a sentimentos como estranheza, agonia ou deslumbre. Em Pobres Criaturas, é possível afirmar que o realizador conseguiu um equilíbrio entre esses três, adicionando ainda uma boa camada de comédia à mistura.
Um dos aspectos que retrata bem essa estranheza é a premissa do filme. Godwin Baxter é um médico cirurgião com aparência de cientista maluco que encontra uma mulher jogada no rio, praticamente morta e grávida. Assim, para não desrespeitar o desejo final da mulher mas salvar o bebê, ele faz o que, em suas palavras, é o óbvio: transplanta o cérebro da criança para o corpo da mulher. E assim nasce Bella Baxter, uma pessoa que quer conhecer o mundo.
O longa é claramente uma referência e homenagem a Frankenstein, mas com debates sobre gênero, filosofia, sexualidade e classe. Essas discussões, embora pudessem parecer jogadas, estão muito bem entrelaçadas com todo o enredo, de forma que tudo fique extremamente orgânico, principalmente por estarmos acompanhando tudo pelos olhos da Bella — o que transmite a sensação de estarmos aprendendo sobre o mundo junto com a personagem.

Por ser um cérebro inocente no corpo de uma mulher, o roteiro estabelece uma linha tênue que acaba por causar um grande estranhamento por parte do público. Depois o diretor resolve pegar essa linha estabelecida e arrebenta ela no meio, deixando tudo bem esquisito por conta de algumas descobertas da protagonista, dentre elas as sexuais.
O interessante aqui é que seria muito fácil o diretor sexualizar a Emma Stone e ficar obcecado por ela, situação que acabaria comprometendo o filme. Porém, eu senti que Lanthimos realmente tentou fazer algo interessante. Dessa forma, mesmo a situação toda sendo estranha, ela não é apresentada como uma coisa criminosa pelo que é estabelecido pelo mundo do filme.
Dito isso, é importante falar sobre a direção do filme. É impressionante como fica transposta a dedicação e o carinho do diretor por esse filme. Além disso, a direção de arte é espetacular. Tudo é extremamente lindo e exagerado, combinando perfeitamente com a estética renascentista que o filme utiliza. Fazia tempo que eu não olhava para uma ambientação e “pensava como que eles conseguiram pensar em algo assim?”. Simplesmente deslumbrante.

Algo que contribui para esse visual único é a trilha sonora. Uma das assinaturas de Lanthimos, o uso de músicas com instrumentos de corda estourados e extremamente destoantes do resto, é utilizada aqui também, mas com variações de uso de vozes, parecendo as de uma ópera, que casa perfeitamente com as situações apresentadas.
Mesmo com toda a estética genial à seu favor, é importante salientar que os personagens são bastante carismáticos , o que contrasta muito bem com o mundo deles. Esse carisma é resultado da boa atuação de nomes como Willem Dafoe, que está muito bem, e Mark Ruffalo, que consegue atuar acima da mediocridade. Mas quem realmente brilha é Emma Stone. A mudança e evolução da personagem conforme o filme progride é ridiculamente natural por causa dela. A briga para melhor atriz com certeza vai ser a mais difícil desse Oscar.
No início, somos fisgados pela estranheza gráfica daquelas pessoas e principalmente por como a direção representa elas, mas conforme o longa progride, o texto vai ganhando peso e o público fica facilmente entretido com as situações. Minha única crítica é que em alguns momentos eu senti que houve uma quebra no ritmo próximo a reta final, de forma que o enredo demora em algumas situações —- que acabam se tornando repetitivas — e é breve em outras que poderiam ter um pouco mais de desenvolvimento. Mesmo com isso, o filme é redondo e bem fechadinho, sem qualquer sentimento de ausência de algo para terminar a história.
OSCAR
Para mim, Pobres Criaturas tem grandes chances de brigar por diversas categorias no Oscar. Em quesito qualidade, o filme consegue brigar de frente nas categorias técnicas. Para Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme, a competição será mais difícil, mas em questão de qualidade o filme com certeza é um dos melhores da disputa na grande maioria delas.
Conclusão
Yorgos Lanthimos apresenta novamente um filme estranho, exótico e diferente. Porém, consegue em meio a toda essa bizarrice apresentar uma obra cheia de personalidade e extremamente bela e profunda, que nem o desenvolvimento de nossa protagonista, levando assim o seu nome.
Nota: 4,5/5
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