Panela Velha | o poder do cinema em Um Homem com uma Câmera
- Vinícius Nocera
- 13 de mai. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Antes de começar a falar sobre o assunto de hoje, gostaria de explicar um pouco sobre o Panela Velha. O Moqueka criou esse selo para abordar aspectos de filmes que não são tão conhecidos por um público mais casual de cinema, mas nem por isso deixam de ser importantes e interessantes.
Portanto, no texto de estreia do Panela Velha, vou falar sobre Um Homem com uma Câmera, destrinchando o motivo desse longa ser tão importante para a consolidação do cinema como uma forma de arte independente das demais.
O experimento

Um Homem com uma Câmera é um documentário lançado em 1929, dirigido pelo diretor soviético Dziga Vertov. Quando ele começa, é possível ver um aviso escrito em russo sobre o que se trata a ideia da obra: um experimento para provar a força do cinema como uma arte independente, realizando assim uma ruptura com o teatro e a literatura. Mas como isso seria possível?
Quando pensamos na mise-en-scène de um filme, ou seja, os elementos que compõem uma cena enquadrada de um filme e seu aspecto geral, a primeira coisa que deve vir na cabeça são os atores. Um filme precisa de atores, que vão ler um texto e a partir daí vão atuar para assim compor uma encenação, gerando assim uma cena.
A ideia de atuação vem diretamente do teatro, enquanto a ideia de um texto vem da literatura. Juntando esses dois elementos com a fotografia, que fora expandida no final do século XIV e aplicada no cinema para a criação de uma ideia de movimento, está criada a estrutura clássica do cinema.
A partir dessa estrutura clássica, eram feitos os filmes lá atrás, assim como ainda são feitos atualmente.
Com ela, era possível dizer que os filmes eram subordinados tanto do teatro quanto da literatura, pois sem esses aspectos brutos dessas outras formas de arte, não existiria o cinema, já que a fotografia em movimento armazenada na forma de películas não era o suficiente para a criação de uma ideia de narrativa.
Porém, Vertov decidiu acabar com esse estigma com uma ideia tão maluca que apostava justamente nas características únicas da sétima arte, que antes eram apenas coadjuvantes e, com esse experimento, se tornaram essenciais para o seu sucesso.
A criação de um deus

Saindo do que Vertov queria fazer para o que de fato ele fez, o resultado nada mais é do que o que o título sugere: um homem com uma câmera filmando as ruas da União Soviética.
Quando olhado de forma direta, não parece nada especial, nada diferente de um vlog de algum youtuber nos dias de hoje. Porém, para essa genialidade discutida fazer sentido, é necessário parar de olhar o conteúdo apresentado de forma separada, e sim enxergá-lo como um todo.
É importante salientar essa característica no cinema soviético da época. Fortemente influenciado pela Revolução Russa, a representação do que é visto vem de uma óptica do externo para o interno. Nós, ocidentais, estamos acostumados normalmente com uma abordagem influenciada pela Europa ou Estados Unidos, em que uma pessoa é individual e separada do todo, em que ela vem primeiro. Na União Soviética da época, primeiro vem as ideias de sociedade, de união, e depois vem a ideia de indivíduo.
Dessa forma, quando o longa foca em pessoas operando uma fábrica, não é apenas um indivíduo que está fazendo algum trabalho, mas sim como o trabalho da sociedade soviética está sendo representado. Aquele indivíduo faz o papel de representar uma sociedade, em que idealmente todos são iguais como pessoas.
Essa visão sociológica é necessária para entender a visão tanto do cinema soviético da época como também entender Um Homem como uma Câmera.
Não necessariamente aquilo que está sendo firmado é a verdade de como era a união soviética do final dos anos 1920s. Aquilo é apenas o que o diretor quis filmar, o que o cameraman filmou e o que a montadora decidiu colocar no produto final.
O longa evidencia em diversos momentos o papel dessas 3 figuras: o diretor, o cameraman e a montadora.
O cameraman é como um trabalhador do diretor, fazendo o trabalho manual de direcionar a visão que ele tem para dar a vida a um novo mundo. Ou seja, ele é o operário que vai executar de forma mecânica o viés apresentado pelo diretor, sendo extremamente importante para que a direção consiga ter o viés idealizado
O diretor é aquele que vai dar um viés àquela realidade. É impossível uma obra de arte ser neutra, pois como você escolhe representar ela, os ângulos e os planos filmados, já apresenta uma decisão enviesada sobre a realidade. Então, o diretor vai escolher como esse mundo será representado, dando assim vida a sua forma.
Por fim, mas não menos importante, existe a montadora. Aquela que vai organizar tudo que foi filmado fora de nexo aparente pelo cameraman e pelo diretor, e assim dar um sentido para o conteúdo, ou seja, criando uma narrativa.

Eu escolhi escrever a montadora no feminino por uma questão de gênero. Acontece que no cinema, o papel de edição é historicamente ocupado muito por mulheres. Mesmo tendo uma importância gigante para a qualidade de um filme, por ser responsável por literalmente costurar as cenas e dar sentido para elas, a montagem é um papel extremamente desvalorizado por ser considerado manual demais.
Um Homem com uma Câmera combate essa ideia preconcebida no cinema, dando destaque frequente tanto para a montadora quando para o cameraman, evidenciando a importância deles para a criação de uma película, enquanto o diretor não é evidenciado de forma física, porém sua presença está sendo representada no filme de forma estética.
A partir da falta, o documentário além de provar a força do cinema como arte separada, exalta os membros da equipe de um filme, encontrando na simplicidade de imagens um sentido complexo explorado pela forma que elas são representadas e sua implicação estética no mundo. Com isso, Um Homem com uma Câmera pode ser considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema.
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