CRÍTICA | Napoleão de Ridley Scott morre na praia… Ou quase
- Roger Caroso

- 23 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

O grandioso filme de Ridley Scott conta a história de uma das figuras mais icônicas de todos os tempos, Napoleão Bonaparte. O longa busca ser um épico, daqueles que ressoam a palavra cinema, e tal qual o próprio Scott fez em “Gladiador” (2000). Todavia, dessa vez ele parou no meio do caminho, ao menos nessa versão.
Dono de filmes como “Os Duelistas” (1977) e “A Cruzada” (2005), Ridley Scott já entregou obras de proporções grandiosas, que fazem jus aos tempos áureos da era do ouro do cinema norte-americano. Em tempos mais recentes, “O Último Duelo” (2021) e agora “Napoleão”, ele busca reviver esse sentimento, tendo construções fortemente voltadas ao tom e proporção de um épico.

Napoleão se tornou o maior símbolo francês durante o fim da década de 1790 em diante. Um general precoce da Córsega virou notório após grandes campanhas militares, como a reconquista da cidade de Toulon, que estava em mãos inglesas em 1793. Ele foi se tornando uma figura de força interna no país, ídolo dos militares e possuindo muita ambição. Então, em 1799 Bonaparte aplica um golpe de estado, e ao lado de Emmanuel Joseph Sieyès e Roger Ducos os três se tornam cônsules provisórios. A qual não duraria muito, visto que em alguns anos ele se autointitulou cônsul vitalício, ou seja, emperador, um novo imperador.
Sendo capaz de estabilizar economicamente o país e liderando seu exército em batalhas lendárias, como em Austerlitz, Napoleão virou ídolo, ícone e mártir patriótico. Ainda em busca de destronar o império britânico, Napoleão inicia um bloqueio continental, onde nenhum país da Europa poderia negociar com a Inglaterra. Bloqueio este, que faz a coroa portuguesa fugir para uma certa colônia chamada Brasil em 1808. Os russos também não foram favoráveis ao movimento, assim, Bonaparte liderou 600 mil homens em busca de conquistar a capital do Czar Alexander, a cidade de Moscou. Entretanto, ele não contava com a estratégia russa, que abandonou a cidade, limpando todos os seus estoques, para quando as tropas inimigas chegassem, não houvesse mais nada a ser tomado, e agora, Napoleão teria que enfrentar o rigorosíssimo inverno russo.
Pelo extenso número de soldados mortos, Napoleão teve de renunciar sua posição e foi exilado para a Ilha de Elba, ao leste da Córsega, seu lugar no trono foi ocupado por Luís XVIII, irmão do rei decapitado, Luís XVI. Após algum tempo de reclusão, o ex-imperador conseguiu apoio de militares para retornar à França e durante sua volta conquistou apoio de milhares de tropas, assim retomando o controle do país. Incrédulos pela sua volta, a coligação Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia não deixou que ele tivesse paz, o destronando nos campos da cidade de Waterloo (que posteriormente seria imortalizada na música pelo ABBA). Bonaparte foi novamente banido de sua terra, e enviado agora para um lugar realmente longe, na Ilha de Santa Helena, perto da costa africana.

De antemão, Ridley Scott expressou sua intenção de lançar uma versão estendida do longa, que sairá no AppleTV+, contendo mais de 4h de duração, contra apenas 2h e 38m da versão de cinema. Essa vontade e planejamento soam como uma forma do diretor se blindar das críticas, visto que o corte de sua vontade não seria esse. Contudo, ainda não temos acesso ao material, então essa avaliação se baseia unicamente no que está sendo apresentado nos cinemas.
Para quem conhece um pouco mais a história de Napoleão, vai encontrar uma obra tão rasa quanto o resumo que fiz no início do texto. Scott se propõe a mostrar apenas momentos marcantes da vida do ditador, mas todas com o contexto mínimo. As motivações de suas movimentações, seus desdobramentos e consequências são todas encurtadas em prol da duração. Com tantas coisas a serem cortadas, o trabalho de montagem é muito prejudicado, gerando cenários específicos e isolados um dos outros, mostrando uma clara falta de sucessão de eventos. Se demarcada pelos pulos temporais de uma cena para outra, deixando um ar de desconexão e incompletude.
Scott passou as últimas semanas de divulgação do longa dando entrevistas que se tornaram polêmicas, questionando os historiadores que ao verem o filme iriam criticá-lo pela pouca precisão com a realidade. O diretor abre um portal onde não se importa em ser preciso, dando como desculpa “Eles [historiadores] estavam lá pra saber como foi? Não, né? Então como garantem que estou errado” legitimando suas diversas escolhas ao mudar acontecimentos. A esperança é que na sua versão estendida da obra, os meios estejam mais ligados, com maiores conexões e explicações, ao invés de meros curtos diálogos como “fui traído” para explicar um conflito geopolítico de proporções continentais.

O roteiro de David Scarpa foca fundamentalmente em seu personagem título, tendo apenas mais uma pessoa como realmente desenvolvimento na trama, a primeira esposa de Napoleão, Josefina de Beauharnais. A dupla divide diversas cenas que tentam mostrar uma forte e complexa conexão amorosa entre si, este é mais um ponto raso, visto que sua relação é moldada em torno de características singulares, que servem para mostrar as diferenças de atitude do ditador em meio às suas tropas e com sua mulher.
Sequer as atuações são potencializadas pelo texto, Joaquin Phoenix é de longe um dos maiores atores de sua época, com performances históricas em “O Mestre” (2012), “Coringa” (2019) e o seu primeiro papel de maior destaque, ao lado de Scott em “Gladiador” (2000). A barra é alta quando se trata Phoenix, então por mais que estejamos focados em sua atuação por praticamente a rodagem inteira, ela não se destaca no nível de outros projetos, todavia, está muito longe de ser um trabalho ruim.
Vanessa Kirby é uma das atrizes de maior ascensão em Hollywood nos últimos anos. Tendo papéis de destaque nos filmes da franquia “Missão Impossível”, mas também grande aclamação crítica pela série “The Crown” e o filme “Pieces of a Woman” em que foi indicada ao Oscar. Sua interpretação como Josefina não deixa a desejar, mas é caríssimo que com um roteiro mais explorado e nuances, seu trabalho teria sido maximizado.

Não é só de erros que vive o longa, sua abordagem realmente dá contornos épicos à obra. Ridley Scott sabe construir grandes espetáculos visuais e fez ótimo uso do alto orçamento investido aqui, cenas de batalhas que são de cair o queixo de tão bem feitas. Apesar desse grande esforço, a fotografia atrapalha e muito na beleza mostrada, a fixação por tons azulados e acinzentados acabam com a ressonância que aqueles conflitos enormes tentam passar.
A trilha de Martin Philipps também é pouquíssimo inspirada, não gerando grandes comoção ao espectador, sendo quase invisível. Por outro lado, novamente é preciso apontar o bom uso dos recursos disponíveis, visto que o design de produção é fantástico, grandes e luxuosos cenários que continuam a nos deslumbrar, acoplados de um belo trabalho de figurino aqui exposto. Enquanto isso, os efeitos visuais são meramente complementares, mostrando a forma correta de sua utilização, dando a maior naturalidade possível.
A direção de Ridley Scott é confusa, nunca se decidindo sobre quais pontos focar e o que ele realmente quer passar. O ponto de destaque da colaboração do diretor com o roteiro é um cínico tom satírico presente em determinados pontos da obra, como na parte em que Napoleão faz juras de amor a uma esposa adúltera. Isso mostra a falta de uma maior coesão do produto final, que tinha um grande potencial caso melhor direcionado, mas que se perde completamente em meio a tantos temas e tantas horas cortadas na sala de edição.
“Napoleão” é um épico no cerne de palavras, grandes cenas, grandes cenários e uma grande figura central, mas sua falta de esmero com a história acaba tornando-se um algoz tremendo. A vida de um dos mais conhecidos personagens da Idade Contemporânea é riquíssima em temas, casos e possíveis aprofundamentos, mas aqui ficam subaproveitados em meio a um roteiro negligente, uma montagem fraca é uma direção arrogante.








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