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Crítica I É Assim que Acaba, com flores e romance cobrindo a violência

Atualizado: 8 de set. de 2024

Quantas (incontáveis) vezes todos nós já perdoamos pessoas que nos fizeram mal, por acreditar que elas nos amavam? Todos nós já caímos em manipulações, narrativas construídas, e variadas versões de um “acredite, dói mais em mim do que em você”, ou um “eu também estou sofrendo e preciso da sua ajuda”. Mas até onde o amor machuca, e continua sendo amor?


“É Assim que Acaba” é o best-seller da carreira da autora Colleen Hoover. Contando histórias baseadas em sua própria vida e família, ela leva o leitor em uma jornada junto com sua protagonista, se apaixonando e se desiludindo entre as mentiras e dualidades do tema central do livro - a violência doméstica. 



Foto: The Seattle Times


A história escrita por Colleen chegou aos cinemas pela imagem de Blake Lively, que vive - e faz jus - a uma protagonista com nuances muito complexas. Ao lado dela, Justin Baldoni, também diretor do longa, vive o par “romântico” da personagem, protagonizando uma relação extremamente conturbada, mas em muitos pontos, encantadora.


I didn’t have it in myself to go with grace


A história começa nos apresentando Lily Blossom Bloom, uma jovem mulher que sonha em ser dona de uma floricultura. A primeira vista, parece uma história escrita por uma criança de cinco anos, que escolhe nomear sua personagem apaixonada por flores com uma sequência de nomes que remetem justamente ao universo floral. Apesar disso, a trama real, de infantil, não tem nada.


Lily chega às telonas já em um momento conturbado da vida. Com a morte de seu pai, ela precisa ir ao funeral e dizer coisas que ama nele, mas não consegue. Isso porque o pai era um abusador, e apesar de nunca a ter ferido, batia na mãe da protagonista frequentemente, deixando muitos traumas pelo caminho. Após o velório, Lily vai a um terraço para refletir, e é lá que conhece a outra ponta marcante da trama - Ryle Kincaid, o personagem vivido por Baldoni.


Em uma sucessão de eventos que torna o resultado bem óbvio, Lily e Ryle se apaixonam. Ela, “diferente de todas as outras garotas”, encanta o neurocirurgião com sua personalidade e, de certa forma, com a proximidade que acaba por adquirir quando conhece a irmã dele, Alyssa, de quem se torna chefe e melhor amiga. Mas a grande virada de chave do longa vem no momento em que, já casada e morando com seu marido, Lily descobre o lado abusador de Ryle, que bate nela em diversas ocasiões.


The hero flying around, saving face


É aqui que mora o grande trunfo, ou grande erro, de “É Assim que Acaba” - a violência de Ryle não é escancarada, muito pelo contrário. A maneira pela qual a história é construída, e diga-se de passagem, a atuação excelente de Baldoni, fazem com que os espectadores passem grande parte do filme tão enfeitiçados quanto Lily. Em meio à paixão pela aura de “príncipe encantado” do personagem, os atos de violência que continuamente tentam ser justificados, por ele e por ela, acabam por ser relevados também por quem assiste, acreditando em certa melhora.



Foto: Vanity Fair


A situação vai piorando, e chega a um ponto em que o filme peca, justamente por não chegar. Na obra original, as violências se tornam cada vez mais visíveis, mas no roteiro cinematográfico, tudo acabou por ficar muito nublado, abrindo sempre o espaço para a dúvida. As palavras estão lá, os crimes são ditos e deixados claros, mas as imagens não fazem jus à intensidade da relação tóxica entre os protagonistas. E aqui, não cabem críticas a Blake ou a Justin - ambos desempenharam maravilhosamente bem o papel que lhes foi dado, apesar da idade avançada em relação aos personagens originais, que acabou por encaixar até melhor na narrativa. As críticas são direcionadas ao roteiro, que suavizou as situações (e o personagem) até demais.


Talvez, quem sabe, por causa do planejamento de marketing do filme, que tem sido duvidoso. Os produtores e atores parecem promover o longa como uma história de amor, uma comédia romântica para assistir e se apaixonar, quando na realidade, a vida de Lily é uma representação da realidade de tantas mulheres que, mesmo poderosas e independentes, continuam sob violência de seus maridos. A adaptação do livro é excelente, e muito fiel, salvo algumas passagens queridas pelos leitores que acabaram por ficar de fora - destaque para o “pode parar de nadar, Lily”, que não pôde ocupar pouquíssimos segundos de tela em uma cena que foi, inclusive, colocada no longa. Apesar disso, peca em passar a mensagem correta, que acabou por mascarar o peso da temática do livro entre flores e romances.


Anywhere I want, just not home


Como tantos romances por aí, “É Assim que Acaba” também tem um triângulo amoroso, e a ponta remanescente dele é Atlas Corrigan, interpretado por Brandon Sklenar. Namorado de escola de Lily, o personagem aparece em diversos flashbacks ao longo da história, contando a violência doméstica presente nas famílias dos dois, e narrando o primeiro amor da protagonista.


Nas cenas do passado, os atores são uma versão mais jovem dos artistas principais. Para muitos, a idade ideal para a Lily Bloom adulta. Mas essa é uma mudança do filme que funcionou bem. Adaptar a idade à maturidade da história compensou, e trouxe uma narrativa mais adulta e tátil do que a adolescente, colocando uma mulher potente na situação de vítima, e não abrindo espaços para uma inocentização de Lily e, portanto, suavização de Ryle.


A atriz que interpreta Lily no passado é Isabela Ferrer, que pode entrar para a história do cinema no hall dos castings perfeitos. Simplesmente idêntica a Blake Lively em aparência, voz e trejeitos, a Isabela se conectou perfeitamente à personagem, fazendo conexões tão sutis que, por vezes, abrem espaço para confundir qual das versões de Lily estamos assistindo.



Foto: The Hollywood Reporter


Junto com Lily, em todas as cenas do passado, está Atlas, que retorna à vida dela como uma espécie de “salvador”. Após o primeiro episódio de agressão com Ryle, ela reencontra o primeiro namorado ao jantar acidentalmente no estabelecimento dele, e retoma todas as memórias de um amor maravilhoso, interrompido também por violências de seu pai. Em todas as cenas em que aparece, Brandon cumpre o papel de tentar proteger, defender e salvar a moça, sendo o estereótipo de perfeição a contrastar com o personagem de Justin.


Dentro dos moldes perfeitos do Atlas, Sklenar faz uma atuação convincente e satisfatória. Nem de longe profunda, coerente e emocional quanto a dos outros dois protagonistas, mas ainda assim, justa. Talvez seja ele o “elo fraco” do casting principal, se é que precisa haver um.



Foto: Glamour UK


Por outro lado, alguém que é tudo menos uma escolha errada para o papel que interpreta é Jenny Slate, que viveu Alyssa, a melhor amiga de Lily e irmã de Ryle. Com toda a vivacidade e alegria características da personagem, ela parece ter sido verdadeiramente tirada do livro, oscilando perfeitamente entre a extravagância (inclusive no figurino) e a maturidade em, muitas vezes, ser a única personagem agindo com lucidez no filme inteiro. 


You had to kill me, but it killed you just the same


A história termina com uma reviravolta esperada pelos leitores, mas chocante para quem assiste de “primeira viagem” - a gravidez de Lily e Ryle. No auge das confusões e violências no relacionamento, Lily descobre que está grávida, em uma das vezes que Atlas a “salva” de sua situação. É nesse momento em que a narrativa se amarra, e faz entender o título do livro.


Dando a luz a uma menininha, Lily decide pedir o divórcio a Ryle, e quebrar o ciclo de traumas geracionais vividos por sua mãe e por ela. Em uma cena emocionante, e que transmite toda a dor e força da saída de um relacionamento abusivo, ela olha para a bebê e afirma que “é assim que acaba, acaba com nós duas”. 


Aqui, o longa decidiu fazer uma mudança grande em relação ao livro. No momento em que Lily pede o divórcio, ela faz Ryle se questionar sobre como ele se sentiria e o que faria se um namorado fizesse com a pequena Emmy, filha dos dois, o que ele fez com ela. Em um lapso de sanidade quase utópico, ele percebe a gravidade de tudo que fez, se enche de culpa, e decide se afastar da família por completo, deixando as duas.



Foto: Business Insider


Na história original, o divórcio é feito, e a guarda da menina é compartilhada, sempre com cuidados em, por exemplo, não deixar Emmy passar noites na casa do pai antes de saber falar e ser capaz de denunciar qualquer violência. No filme, ele simplesmente vai embora, como Lily demonstra querer que seu pai tivesse feito. Não seria essa decisão uma perpetuação de ciclos traumáticos, refletindo a relação de Lily com o pai, na relação de Emmy com Ryle? Se a mensagem do filme é a quebra de ciclos e a possibilidade de fazer diferente, talvez fizesse mais sentido enfrentar a questão da presença de um pai problemático, ao invés de removê-lo da equação por inteiro.


All the hell you gave me


“É Assim que Acaba” foi uma adaptação fiel e coerente à ideia do livro - confundir o espectador em violências sutis, colocando quem assiste na pele de Lily, e fazendo o público entender que o “terminar um relacionamento abusivo” não é, nem de longe, simples. O filme tem sucesso em passar a angústia vivida pela personagem, em cenas tão bem executadas que, por vezes, a sensação é que nós mesmos estamos passando pela tortura psicológica, sendo forçados a ouvir o que a protagonista é forçada a ler, sem querer assumir, por exemplo. Fica apenas a vontade de que o foco da história tivesse sido mais centralizado, tirando algumas das flores e romances do caminho do que não é um filme para ser bonito, mas sim real - e, na realidade, violento.


Nota: 3,5/5




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