top of page
moqueka

CRÍTICA | Priscilla: A história da menina que queria dar

Atualizado: 8 de jun. de 2024



Há quem ame e quem odeie, mas o fato é que Elvis Presley é um dos maiores — se não o maior — nome da história da música. Assim como a Pedra da Eternidade, o legado do músico vai continuar persistindo ao tempo, seja ele bom ou ruim. Depois do sucesso meteórico do longa de 2022, Sofia Coppola decidiu que iria aproveitar esse momento de alta do Rei do Rock para fazer seu próprio filme sobre a estrela, mas numa perspectiva diferente.


Priscilla (2023) conta a história de Priscilla Beaulieu, uma jovem americana que teve que se mudar para Wiesbaden, na Alemanha, lugar onde iria conhecer o amor de sua vida e futuro marido, Elvis Presley. Mesmo antes do anúncio da obra, Priscilla já era um nome bem popular na mídia. Em 1985, lançou o livro “Elvis e Eu”, em que contava os bastidores por trás de seu polêmico relacionamento com o cantor e que serviu de base para essa nova produção. Apesar disso, não acredito que esse projeto teria a atenção que teve sem a presença de dois nomes: A24 e Sofia Coppola.


Foto 1 - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Por falar nela, Sofia era de longe o nome ideal para essa adaptação. Depois de trabalhos como Encontros e Desencontros (2003) e Maria Antonieta (2006), fica claro que ela tem experiência o suficiente para falar sobre relacionamentos complicados e protagonistas femininas assumindo responsabilidades impostas por outras pessoas. Mais uma vez, a direção dela não deixa a desejar, conseguindo entregar a tensão e desconforto de se estar em um relacionamento abusivo. Desconforto. Essa é a palavra que pode descrever essa experiência.


Uma estrela da música em seu auge. Uma garota adolescente longe de seu lar e se sentindo solitária. Ambos se apaixonam para viver um amor proibido em uma época cheia de julgamentos. A trama de Elvis e Priscilla tem todos os elementos de uma linda e genérica história de amor encontrada no Wattpad, então pode facilmente ser romantizada quando é retratada em uma adaptação. E esse é um erro que Sofia não comete. Não que a história deles não tenha suas partes bonitas, mas essas coisas fofas são soterradas pelos aspectos problemáticos.


O primeiro problema dos dois pombinhos começam na diferença de idade. Priscilla tinha 14 anos quando conheceu Elvis, que já tinha seus 24, e a diretora não vai te fazer esquecer disso em momento algum. Isso é reforçado pela escolha do cast. A diferença de altura entre Jacob Elordi (Elvis) e Cailee Spaeny (Priscilla) te faz esquecer que eles têm quase a mesma idade. Quando ambos estão contracenando, o desconforto é inevitável. A diferença de idade e mentalidade entre os dois é mais clara que a cor dos olhos de Priscilla.


Foto 2 - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Esse mérito não é apenas da direção, mas também da atuação do casal. Caille surge como uma grande surpresa para esse início de 2024. Sua caracterização como Priscilla, principalmente depois da radical mudança, ficou fantástica. A atriz ganha o público através do olhar, que consegue transmitir toda a dor de se ver presa num relacionamento abusivo. Como já era esperado, Jacob entrega outra grande performance e concretiza a grande alta em sua carreira. Porém, o elogio da caracterização não pode ser feito quanto a ele.


Um Elvis que nem todo mundo conhece…


Depois de termos um Austin Butler sendo uma legítima reencarnação de Elvis, já seria difícil para o astro de Saltburn (2023) competir. Porém, meu principal problema com sua caracterização é o fato de eu não conseguir ver o Rei do Rock, mas apenas Nate Jacobs ou qualquer outro personagem problemático dos milhares que Elordi já deu vida. Um aspecto que também contribui para isso é a persona que Coppola buscou retratar. Em Elvis (2022), temos a trajetória de ascensão do músico vista pelos olhos do Coronel Tom Parker, enquanto em Priscilla (2023), temos a decadência de um marido.


Apresentar essa faceta do artista que muita gente não conhece foi uma decisão muito acertada da produção, não à toa o personagem de Jacob rouba a cena toda vez que aparece. Disso surge um problema. Se a intenção da produção é dar voz à história de Priscilla, era justo imaginar que ela seria a grande estrela. Óbvio que a presença do cantor era inevitável nessa narrativa, uma vez que ela também retrata os bastidores da relação entre os dois, mas em alguns momentos Elvis toma o protagonismo para si ao ponto de esquecermos que essa é uma história sobre sua esposa.


Foto 3 - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Ainda sobre o relacionamento dos dois, a idade não seria a única problemática. Começando pela mais tragicômica delas, que é o motivo do título dessa crítica. Depois que oficializa seu relacionamento com o astro e parte para morar em sua casa, Priscilla enfrenta um problema para lá de inusitado: a falta de sexo. A menina queria dar e não tinha ninguém para comer. Por conta de sua pouca idade, seu namorado se recusava a manter relações sexuais com ela, o que é entendivel — embora questionavel, já que eles nem deveriam ter iniciado esse namoro. Porém, fica complicado para o lado do Elvis quando mesmo depois de anos ele continua sem satisfazer a mulher.


Esse empecilho é usado para reforçar as contradições no modo como Elvis levava sua vida. Ele estava disposto a tirar a menina da Alemanha, assinando uma guarda provisória, mas não queria ter nenhuma relação com ela. Ele transava com diversas mulheres por onde ia até depois de casado, mas não fazia sexo com a unica pessoa com quem ele deveria fazer. No meio de tantas hipocrisias, havia uma mulher doida pra dá e ninguém pra comer. Apesar de parecer cômico e de minhas piadas infames, essa é uma situação genuinamente séria e triste.


O inferno pessoal de Priscilla Presley


É desesperador estar numa relação em que seu próprio parceiro não demonstra desejo por você. O desejo é uma parte importante de um relacionamento e sem ele a pessoa desperta sentimentos de insuficiência e uma forte autocrítica. Esse cenário é ainda mais agravado pela ausência de Elvis em casa devido ao show, o fato dele se relacionar com outras mulheres e de sempre estar impondo absolutamente tudo o que ela deve fazer. O abuso era tanto ao ponto do cantor ditar como ela deveria parecer, se vestir e comportar, o que dá início a sua radical transformação.


Foto 4 - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Além de não transar com a própria mulher e ser controlador, Elvis também era um sujeito de temperamento explosivo. As cenas de agressão acompanhadas de um abrupto “arrependimento” do artista retratam a triste realidade enfrentadas por muitas mulheres que, iludidas por uma possível mudança, acabam se sujeitando a estarem presas em um relacionamento com um agressor. Porém, o roteiro não é eficaz apenas em retratar os problemas de Elvis, mas também as responsabilidades que Priscilla teve que enfrentar ao ser jogada nesse mundo dos famosos.


Fazendo um paralelo direto com o filme de 2022, que retrata um Elvis preso no inferno de Las Vegas construído por seu empresário, aqui Priscilla se vê presa em uma gaiola de ouro: sua própria casa. Assim como os idols coreanos de hoje em dia, naquela época também era importante que as maiores estrelas da música sempre parecessem “solteirões disponiveis”, para que as fãs pudessem sonhar com o dia em que lhe roubariam seu coração. Por conta disso, Priscilla foi sujeita a uma vida de isolamento dentro da mansão da família.


Foto - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Além disso, quando as pessoas ao seu redor descobriram de seu relacionamento com a estrela mundial, logo viam os julgamentos por conta da diferença de idade — acompanhados de doses cavalares de inveja. O longa retrata muito bem como a protagonista foi obrigada a deixar de ser a menina inocente que vivia na Alemanha para se transformar na esposa de Elvis, uma mulher que teria que abusar de drogas para lidar com a rotina de esposa do homem mais famoso do mundo. A transformação de Priscilla não foi apenas em seu penteado e maquiagem, mas principalmente em seu psicológico.


Nem tudo é um mar de rosas


Assim como o relacionamento retratado na trama, a obra também está longe de ser perfeita. Apesar de ser baseado em uma história real e conseguir retratar o desgaste mental sofrido por Priscilla, o roteiro é apressado em muitos momentos. A começar pelo início do filme, que já introduz a protagonista no momento em que conhece Elvis, ao ponto de nem nos dar tempo de se importar com a dita cuja. Por falar no relacionamento dos dois, essa menina deve ter uma periquita de ouro, porque a maneira rápida como seu romance se desenrola com o maior astro do mundo é muito rápida.


Alguns podem argumentar que isso se dá pelo fato de ser dois jovens vivendo uma paixão à flor da pele, mas ainda continua estranho como as coisas simplesmente se encaminham numa velocidade absurda e todos ao redor simplesmente aceitam isso. Priscilla é subitamente convidada por Elvis. Sem motivo aparente, Elvis se interessa pela garota. Os pais permitem que a garota viaje até outro país com uma estrela mundial que eles acabaram de conhecer. Tudo é rápido e, quando você se dá conta, já está acompanhando a decadência de um relacionamento que mal começou.


Foto sei lá das quantas - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

Outro problema da produção é sua montagem. Em diversos momentos, o público vai acompanhar sequências de cenas exatamente iguais que não acrescentam em nada para a narrativa. A ideia era forjar a passagem de tempo, mas no fim parece apenas encher linguiça. Um destaque vai para a cena da Priscilla sentada na sala. Esse mesmo take é repetido umas três vezes e não faz diferença nenhuma ele estar ou não na trama. Entendo que esse artifício possa ser utilizado para retratar a rotina e monotonia a qual a jovem vivia, mas acredito que existia meios mais inventivos de realizar esse tipo de representação.


Veredito


Priscilla (2023) retrata as camadas dramáticas de um relacionamento que foi — e ainda é — idealizado por muitos como perfeito. O filme mostra de forma crua os diversos abusos psicológicos e físicos que a autora se submeteu em nome de seu amor incondicional. Com uma direção impecável, o longa desliza no que diz respeito ao roteiro, que apresenta um desenvolvimento apressado de muitas situações.


A ambientação e caracterização devem ser elogiadas. O longa consegue representar com perfeição aquele período de tempo que está retratando. Destaque principalmente para o visual de Cailee Spaeny como Priscilla, que consegue incorporar com fidelidade a estética da personagem real. O elenco também foi muito bem escolhido, com ênfase para a supracitada Cailee e Jacob Elordi. Esse último rouba a cena em muitos momentos, o que te faz questionar se o filme é sobre Priscilla ou Elvis.


Foto 7 - Priscilla
Foto: Reprodução/ A24

A grande tragédia de toda essa história é que Elvis e Priscilla realmente se amavam. O cantor nunca conseguiu se perdoar por ter deixado a mulher de sua vida ir embora, retratando todo seu sofrimento na canção Always on My Mind. Mesmo pedindo pelo divorcio, Priscilla definiu Elvis como o grande amor de sua vida, tendo sofrido como ninguém pela morte do astro. Um relacionamento “perfeito” que foi arruinado pelas atitudes egoístas e irracionais de uma das partes, que mais tarde iria se arrepender para sempre disso. Existe uma história de amor mais real que essa?


Só é uma pena que eles não tenham trago a Lana Del Rey para fazer uma ponta como Priscilla.


Nota: 3,5/5



Comments


bottom of page