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Paranorman e o ciclo do ódio

Atualizado: 8 de jun. de 2024


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Quando se fala em stop motion, um dos principais nomes que vem na mente do público é Coraline. Baseado no livro de mesmo nome, o filme lançado em 2009 se tornou um clássico imediato. Sua qualidade de produção, história instigante e estética memorável tornaram dele um das referências nesse estilo de animação. Entretanto, três anos depois, o mesmo estúdio que lançou essa obra prima seria responsável por outra masterpiece, de qualidade similar, embora não tão popular quanto a produção anterior.


"Paranorman” é uma animação stop motion lançada em 2012 pelo Laika Studios, com direção de Chris Butler e Sam Fell. O filme conta a história de Norman Babcock, um jovem com a capacidade paranormal deenxergar e interagir com os mortos. Por conta de seu dom peculiar, o garoto é vítima de bullying na escola e represálias de sua família, sendo considerado como estranho pela cidade inteira. Sua vida muda quando seu tio, que possui a mesma habilidade, o avisa de que ele vai precisar deter a maldição da bruxa que assola a cidade.


Foto 1: Norman e Aggie
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Uma estética de arrepiar


Um dos pontos que chamam a atenção logo de cara na produção é sua ambientação baseada no Halloween. Na trama, a data está próxima e, por conta disso, o pequeno vilarejo está todo tematizado. Além disso, a lenda da bruxa foi comercializada ao passar dos anos, fazendo com que sejam vistos diversas lojas relacionadas a estereótipos desse tipo de figura. Entretanto, o clima de Halloween não se limita apenas nisso. No quarto de Norman, podemos ver diversos adereços que remetem a essa época, como posters de filmes de terror e itens baseados em monstros.


Toda a estética do longa lembra a de um filme B, produções de baixo orçamento da década de 30 e 40 que costumavam ser, principalmente, de terror. O protagonista é claramente viciado nesse gênero, sendo visto assistindo esse tipo de filme no início e fim da animação. Paranorman também bebe muito da fonte de diversos subgêneros do terror, seja o paranormal ou o cinema de monstro, sendo uma grande homenagem ao horror na sétima arte. Porém, a referência mais proeminente são as feitas a Halloween (1978).


Foto 2: Neil reference
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Em determinada cena, Norman recebe uma ligação e o toque de seu celular é o tema da obra de John Carpenter. Nessa mesma sequência, o personagem principal vai até a janela e avista seu amigo, Neil Downe, o observando, numa clara recriação da cena mais famosa do longa de 78. Além disso, Neil veste uma máscara de hóquei, fazendo uma referência ao clássico assassino Jason Voorhees. Outro possível easter egg de Halloween é quando Norman avista seu tio pela primeira vez que, segundos depois, desapareceu completamente, prática eternizada por Michael Myers.


Além da ambientação e referências, outra grande qualidade da obra é sua animação. Todos os movimentos são extremamente fluidos, dando a impressão que nem são feitos quadro a quadro. Mesmo sendo apenas a segunda aventura do então recente estúdio, esse foi um dos seus trabalhos mais bem desenvolvidos nesse sentido. O ambiente é extremamente vivo e parece que cada detalhe do ambiente tem sua própria autonomia. Também não podemos deixar de falar sobre a direção de arte.


Foto 3: Little Nightmares
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Por abordar temas como morte e caça às bruxas, o visual do filme também apresenta um pouco dessa aura sombria. Todos os designs tem um ar o tanto quanto “nojento”, aspecto que pode ser visto principalmente no time dos mortos vivos — o destaque vai para o cachorro de Neil, que morreu atropelado e a animação faz questão de mostrar seu fantasma partido ao meio. Embora em Coraline nós tenhamos a menina de capa amarela, os personagens humanos de Paranorman são os que mais lembram os de Little Nightmares — não me surpreenderia que o jogo tenha se inspirado nesse sentido.



É mesmo um filme infantil?


Um comentário muito comum feito sobre Paranorman é de que o filme assustou a quem assistiu durante sua infância. Além do visual medonho, um outro possível responsável por esse “trauma” é seu enredo. Aproveitando que já foi mencionado as temáticas sombrias abordadas pelo desenho, é válido destacar que, embora seja voltado para o público infantil, a obra é recheada de discussões e diálogos que apenas os mais velhos conseguem entender.


Na trama, somos apresentados à história de Agatha Prenderghast, uma garotinha que viveu em 1712. Se você lembra bem, o tio do protagonista se chama Senhor Prenderghast, fazendo do garoto e da futura bruxa parentes distantes — e arruinando o ship de muitas pessoas. Por ter o mesmo dom que seu descendente e viver durante o século XVIII, Agatha foi acusada de bruxaria e sentenciada à morte. A caça às bruxas por si só é um tema difícil de se abordar em um produto infantil, dado ao caráter cruel e ilógico das sentenças. Porém, o filme se torna ainda mais pesado no momento em que a vítima escolhida ainda era uma criança.


Foto 4: Norman e Aggie
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Outro ponto chave para o enredo do filme é a exclusão social. Por ser um garoto diferente, Norman acaba sendo taxado como estranho por toda a cidade. Seu dom é visto com maus olhos até por sua família. Embora não faça mal a ninguém, o garoto é vítima do preconceito de todos somente por existir. Norman é um jovem que se sente deslocado, sendo constantemente julgado e, por muito tempo, não tendo ninguém para contar — coisas que só alguém que já passou por um período parecido na adolescência vai conseguir entender.


Por fim, o último ponto que me faz não considerar Paranorman como uma película infantil é seu humor. As pessoas por trás do longa sabiam exatamente para qual público estava direcionando certos diálogos. Indo de cenas envolvendo conotação sexual — como o gordinho punheteiro pausando o vídeo de ioga da mãe nas cenas em que uma bunda fica estampada na televisão — até diálogos com críticas sociais — a policial comentou que atirar em inocentes era papel da polícia. O humor da obra é muito bom, mas com certeza não é algo que uma criança poderia (e nem deveria) entender por completo.



O excluído e o ciclo de ódio


O grande tema central da narrativa de Paranorman é o ciclo do ódio. Esse é um conceito que afirma que o ódio é uma espécie de Ouroboros, ao ponto que ódio só gera mais ódio. Em Naruto, temos a representação mais famosa desse termo. O vilão Pain explica para o protagonista como eles são iguais, visto que ambos buscavam a destruição daqueles que os fizeram sofrer sob a justificativa de que aquilo seria o correto a se fazer.


Mas, se há justiça na vingança, então a justiça só trará mais vingança. E isso cria um ciclo do ódio

Dois homens normais levados pela vingança, sob a máscara de uma justiça. É assim que Pain define a si mesmo e a Naruto. O antagonista teve sua vila e sua vida destruídas por Konoha em sua infância. Como forma de vingança (ou justiça), ele destruiu Konoha e, por consequência, a vida de Naruto. O protagonista iria buscar destruir Pain em busca de vingança (justiça) e logo não demoraria até que alguém surgisse para fazer o mesmo com o Uzumaki.


Podemos presenciar o mesmo fenômeno na trama do longa de 2012. Na história, Agatha foi sentenciada à morte por conta do ódio e temor que os moradores tinham contra as bruxas. Seu destino foi decidido por juízes de um tribunal, considerado como a representação da justiça. Depois de sua morte, como forma de justiça (ou vingança) ela amaldiçoou os responsáveis por sua sentença. Ao retornarem à vida por conta da maldição, os juízes enfrentaram o ódio dos moradores que temiam o diferente, assim como eles temeram Agatha.


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No meio desse desenrolar, temos nosso protagonista. Norman é vítima de preconceito de todos os moradores de Blithe Hollow. Com exceção de seu tio, Neil e sua mãe, ninguém vivo — nem mesmo seu pai — demonstra algum tipo de apreço pelo garoto. Na escola, além dos julgamentos, também sofre com o bullying de Alvin. Todo esse ódio é causado apenas pelo personagem ser alguém diferente. O garoto não faz mal a nenhuma alma viva (e nem morta), mas é tratado quase como um criminoso.


Norman é retratado como um paralelo moderno de Agatha, ao ponto que em determinado momento os moradores dão a entender que também iriam assassiná-lo. Ele tinha todos os motivos do mundo para nutrir ódio por aquele lugar e aquelas pessoas, porém, preferiu acabar com esse paradoxo. A única maneira de acabar com o ciclo do ódio é quando uma das partes consegue exercer o perdão. Mesmo sendo entendível seguir o mesmo caminho que sua antepassada, Norman preferiu exercer a compaixão e quebrou a maldição.


Foto: Agatha
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Não apenas ele defendeu os juízes que outrora assassinaram uma criança, mas também conseguiu, através do amor, convencer essa criança de que não valia mais a pena continuar nutrindo esse ódio. O ódio é um veneno que não destrói apenas o exterior, mas também o interior daquele que o cultiva. A única maneira de conseguir deixar o ódio ir é abraçando o amor. A sequência final do longa é uma das coisas mais bonitas que já vi. Não é apenas o Norman lutando contra Aggie, mas a luta do ódio contra o perdão.


A cena não é apenas linda visualmente, mas toda a direção entrega um misto de emoções que, particularmente, me levou à emoção. Todo o discurso do Norman, embalado com aquela trilha sonora de arrepiar, faz com que essa cena seja o ponto mais alto de todo o filme. No fim, percebemos que, por trás do monstro, existia apenas uma garotinha que foi vítima da ignorância dos homens. No fim, Paranorman é uma história sobre amor, perdão e como o ódio não consome apenas ao exterior, mas também ao interior daqueles que o cultiva.


Conclusão: Um filme para levar para a vida


Eu tenho uma relação extremamente pessoal com esse filme. Na infância, eu o odiava de coração. Achava ele chato e criei um desgosto por conta da quantidade de vezes que foi reprisado na Record. Depois de crescer, comecei a vê-lo com outros olhos depois que vi um Gif do Norman com a Agatha em um vídeo da música Kill Yourself Part III, dos $uicideBoy$. Essa mistura de memórias que eu tinha com esse filme fez com que eu desenvolvesse por ele um sentimento especial.


Foto: Norman
Foto: Reprodução/ Laika Studios

Paranorman representa uma parte de minha infância, adolescência e, agora, vida adulta. Mas, para além disso, representa uma verdadeira masterpiece do stop motion. O longa tem uma animação invejável até para produções que vieram depois. Além disso, sua estética é extremamente linda e um prato cheio para amantes do terror, assim como eu. Seu elenco de personagens é extremamente carismático, servindo quase como uma paródia de “grupo de adolescentes de filmes Trash”.


Mas, sem dúvida alguma, a melhor parte de Paranorman é sua história e mensagem. O filme explora, através de um protagonista com que temos extrema facilidade em nos reconhecer, uma linda história sobre as consequências do ódio. O enredo continua sendo extremamente atual e passa uma excelente mensagem sobre amor. É por isso que, mesmo após mais de uma década, esse desenho continua sendo uma obra de arte.

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