CRÍTICA | Fale comigo é um filme sobre autodestruição
- Alan Pinheiro
- 17 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Quando o marketing da Diamond Films decidiu que venderia o longa como o "melhor filme de terror do ano", uma grande expectativa foi criada sobre o novo título. Lançado no dia 17 de Outubro, Fale Comigo já tem a atenção do público, mas será que a satisfaz?
Na trama, um grupo de jovens usam uma mão embalsamada para entrar em contato com espíritos e permitir que seus corpos sejam possuídos pelos mortos. Toda a experiência funciona como uma nova droga pesada e é compartilhada pela Internet. Nesse cenário, a protagonista Mia (Sophie Wilde) é levada pela curiosidade a experimentar as possessões, mas acaba indo longe demais.

Toda essa história é guiada pelos diretores Danny e Michael Philippou, que escolhem mostrar o horror não a partir dos sustos, mas através do momento anterior à catarse. A construção da tensão se destaca em relação ao restante dos elementos sobrenaturais e gera a ansiedade necessária para colocar Fale Comigo na lista dos filmes de terror que fogem dos habituais jumpscares. Inclusive, um dos maiores méritos do filme é o domínio do timing no horror. Pode ser debatido se não houve uma falta, mas nunca excesso. O longa sabe muito bem onde inserir os elementos sobrenaturais e, quando faz, todos os momentos têm um peso narrativo.
Ainda falando da direção, os irmãos Philippou fazem sua estreia no comando de um longa-metragem. Antes, foram convidados para participar na parte elétrica e na fotografia da produção de Babadook (2014) pela fama da dupla no YouTube. Os australianos ficaram conhecidos na plataforma com o canal RackaRacka, onde ganharam diversos prêmios pelos vídeos e somam quase 7 milhões de inscritos.

O roteiro, escrito por Danny Philippou com a colaboração de Bill Hinzman, estabelece o luto da personagem principal como força motriz de progressão da trama. Com o protagonismo em Mia, os eventos vão sendo desencadeados a partir de gatilhos relacionados ao sentimento dela, seja ao buscar uma forma de se desprender da realidade ou a partir da interação com pessoas importantes. Outro ponto de destaque são os personagens secundários. A maioria deles são carismáticos e possuem personalidade, além de acrescentarem novas camadas à história. Uns com mais e outros com menos peso, mas cada um consegue aproveitar o tempo de tela.
Uma importante parte do motivo pelo grande carisma dos personagens se dá pelas excepcionais atuações. Sophie Wilde não sente o peso do protagonismo em nenhum momento e entrega uma das melhores performances em filmes de terror dos últimos anos. A australiana tem a missão de transitar entre a sobriedade do mundo real e o sobrenatural, mas a existência de uma clara separação entre os planos vai se esvaindo, forçando Sophie a misturar o concreto do imaginário a partir de sua atuação. Quem também se destaca é Joe Bird e Alexandra Jensen, os irmãos Riley e Jade. Enquanto o menino precisa guiar o seu personagem para o lado macabro de Fale Comigo, a atriz vive a personagem que representa o lado do mundo dos vivos, já que em nenhum momento é mostrado Jade usando a mão para se “drogar”. Pelo contrário, ela tem que lidar com a maioria das pessoas à sua volta sofrendo com as consequências da “brincadeira” com os espíritos.

O Luto e a juventude
Em meio a trama de Fale Comigo, somos levados a passear entre dois grandes temas que perpassam a obra: A espetacularização da vida e o processo do luto. No primeiro, a discussão se abre quando é apresentado o comportamento dos adolescentes. O compartilhamento dos vídeos das possessões se espalham entre os jovens como se fosse mais uma experiência no meio de tantas outras. A alienação surge quando os envolvidos no “ritual” não conseguem discernir e reconhecer o conteúdo e o efeito de suas ações. Porém, o longa não desenvolve essa temática, se mantendo na superficialidade de um debate que poderia gerar boas discussões sobre o cenário atual da influência midiática em nossos cotidianos.
Os irmãos Philippou optam por dar destaque a outra abordagem: O Luto. No tempo atual da trama, já se passaram dois anos desde que uma perda desencadeou o processo de luto em Mia. A protagonista age de forma que as pessoas em sua volta, e até ela, assumem que a dor ficou para trás, mas é necessário apenas uma lembrança de um passado recente para lembrar que a ferida ainda não foi fechada. Na verdade, ainda continua sangrando. Entre os cinco estágios descritos pela psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross, a depressão é a última fase antes da aceitação. É nesse estágio que sentimentos de debilitação e tristeza acompanhados de solidão e saudade ocupam a mente daquele afetado pela perda. Muitos acabam se rendendo à formas de fugir da realidade para não viver a dor.

A partir da primeira experiência de Mia com a mão embalsamada, o vício trazido pela sensação da possessão começa a degradá-la lentamente até que a protagonista se entregue completamente. Por isso, sua jornada ao longo do filme não é para chegar à aceitação e finalmente superar o luto, mas ser dominada por si mesma em um frenesi que a leva para a autodestruição.
No entanto, a obra encontra dificuldade na abordagem de uma temática tão necessária e sensível. Não vejo as escolhas tomadas pelos diretores como erradas, mas se o intuito foi mergulhar na psique da protagonista e explorar o seu estado mental, interações mais complexas entre os envolvidos nesse processo do luto enriqueceriam ainda mais os personagens e o objeto de reflexão.
Veredito
Fale Comigo domina a técnica do horror e a usa para entregar um ótimo estudo de personagem sobre uma mulher enfrentando o luto. O filme sabe exatamente onde quer chegar e usa os elementos do terror para potencializar a história que quer contar, mas apesar de ser bastante eficiente, a execução peca na sensibilidade necessária ao abordar os temas propostos.
Nota: 3,5/5
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